segunda-feira, 29 de junho de 2015

MUITO ALÉM DO SOMÁTICO?




MUITO ALÉM DO SOMÁTICO? Atualização em 29.06.2015

INTRODUÇÃO
“Fisicalismo é, basicamente, a tese segundo a qual não pode haver propriedades mentais na ausência de propriedades físicas.” DENNETT, Daniel, Brainchildren, Ed. Penguin, London 1998.

No meu entender, este talvez seja o capitulo mais importante deste livro: o de procurar estabelecer a verdadeira natureza da “parte imaterial” do ser humano, ou seja, do fenômeno apelidado de ESPÍRITO, ALMA, PSICOLÓGICO, MENTE que, em tese, para uns está além do somático e, para outros, está mais próximo do somático do que se pensa.

“A ideia de que processos mentais poderiam ser estudados à luz de um modelo computacional apresentava uma boa alternativa para os dilemas metodológicos da Psicologia: abandonar o comportamentalismo estrito sem, entretanto, incorrer na vaguidade do introspeccionismo. Esta proposta poderia ser o paradigma para uma ciência da mente.” (TEIXEIRA, 1998, p. 11).


A dificuldade filosófica surge quando procuramos determinar, em uma linguagem não ambígua, o que essas referências implicam. As filosofias tradicionais da mente podem ser divididas em duas grandes categorias: a teoria mentalista e a teoria fisicalista. Segundo a abordagem mentalista, a mente é uma substância não-física. Para os fisicalista, o mental não é diferente do físico; na verdade, todos os estados, propriedades, operações e processos mentais são, em princípio, idênticos a estados, propriedades, operações e processos físicos.

O problema conceitual se inicia quando, através de uma linguagem de senso comum, convertemos essas propriedades semânticas em estados mentais, de modo a existirem independentemente de nossos atributos neurofisiológicos, ou seja, como se esses estados tivessem uma ontologia[1] própria e desvinculada da matéria... Desse modo, Churchland diz que o estado qualitativo “não tem um significado semântico para os termos de uma linguagem intersubjetiva” (ibid. p. 104), na medida em que eles podem “variar ainda mais entre diferentes indivíduos” (id. ibid.), podendo variar, inclusive, e até mesmo, “entre as diferentes espécies biológicas” (id. ibid.). Não podemos negar, portanto, que há sensações que descrevemos como medo, depressão, dor, mas nem por isso podemos descrevê-las como se estivessem separadas de nossa estrutura fisiológica. Atribuir a essas sensações uma natureza unicamente mental conduz no erro de tratá-las como algo não constitutivo e tributário de nossos aparatos físicos, mas sim como provenientes de um domínio não físico. Contudo, podemos compreender a introspecção considerando-a, não como característica de uma substância mental, mas como proveniente de nossas condições neurofisiológicas.”

Assim, "talvez tenhamos que nos acostumar com a ideia de que o estado mental tem localização anatômica e que o estado do cérebro tem propriedades semânticas" (Churchland, p. 60).



INVESTINDO NA CO-AUTORIA
Para ajudar-me no desenvolvimento do tema e, ao mesmo tempo, resgatar parte de uma obra primorosa, hoje, um tanto esquecida, usarei como referência o livro DOUCTORS OF THE MIND[2] (Médicos da Mente) da escritora norte-americana Marie Beynon Ray - cujas transcrições aparecerão entre aspas e na cor azul.

PRIMÓRDIOS DO IMATERIAL
Muito antes da alvo­rada da História, as criaturas que primeiro se revestiram de humanidade, sentiram dentro de si a presença de algo que as diferenciava de todos os outros animais, algo inexpli­cável e provavelmente imortal.”

IMATERIAL É SINÔNIMO DE ALMA?
Os maiores pensadores de cada século tentaram explicar a natureza daquilo que “sentiam” como parte ontológica do ser humano - essencial e superior dentro de si e inexistente nos demais animais. Influenciados (e contaminados) por tais ideias teocráticas e antropocêntricas[3] (tudo ditado pela religião dominante) chegaram a uma conclusão: O homem é um ser divino, criado por deus, distinto dos outros animais, que são estúpidos e bestiais. Por ter sido criado por deus tem um corpo (transubstanciado do barro) e uma Alma (gerada pelo sopro de deus).[4] As duas partes são separáveis. A alma se separa do corpo após a morte e continua a existir como espírito (que é a alma desencarnada). A aceitação desta crença, impediu, por muito tempo, que os homens mais inteligentes da época procurassem no corpo a origem do espírito.

Tangível versus intangível
Acredito que a atual dissenção entre corpo x alma (ou fisicalismo e mentalismo), refletia (e reflete) o antagonismo secular entre o tangível e o intangível.

Enquanto os defensores do tangível afirmam: “Você não tem um corpo. Você é o seu corpo, o que você tem é uma mente que deixa de existir quando o corpo morre”, os do intangível discordam: “Você não tem uma alma. Você é a sua alma, o que você tem é um corpo que morre e apodrece libertando a alma.”

O tangível se fundamento no corpo e é afinado com o chamado “materialismo” que se sustenta em evidências concretas e bases experimentais.

O intangível é a antítese do tangível e tem fundamentos destituídos de bases experimentais, "à escolha do freguês”. Costumam lidar com uma espécie de mente independente do físico (que sobrevive ao corpo), fenômeno que chamam de alma, espirito, regidos, habitualmente, por interpretações místicas-religiosas, utópicas, quiméricas. Em última instância, se costuma confundi-la com o espiritual, o teológico e até com o chamado psicologismo[5] quando a lógica perde o controle e a imaginação passa a comandar o espetáculo de obscurantismo, mistério e desconhecimento da realidade tangível.

Trata-se de uma discordância surgida muito antes da existência da Medicina, como profissão, e sua origem se perde nas brumas do tempo. Enfim, é uma querela que vem de longa data... e quão longa é esta data!

Ambos, tangível e intangível (ou corpo e mente), interessam a medicina porque interferem no labor diagnóstico e no tratamento das doenças.


UM DIVISOR DE ÁGUAS - ENTRA EM CENA A TEORIA DA EVOLUÇÃO DE DARWIN
“... a Origem das Espécies, de Darwin. Livro algum jamais causou guerra mais longa e mais amarga. Marie Beynon Ray

O que é realmente a parte imaterial do homem?
“Não existe indagação que haja Interessado ao homem com mais persistência e paixão do que a busca da origem e da natureza dessa parte imaterial de si próprio que ele chama, di­versamente. de espírito, alma e mente.

Em busca da verdade e transitando por um leque de suposições o homem comum, o xamã, o pajé, o curandeiro, o charlatão, o druida, o mago, o feiticeiro, o exorcista, o bruxo, a fada, o milagreiro, o mago, o benzedor, o rezador, o médium espírita e, sem dúvida, o médico de ontem, sem ignorar o de hoje, sempre se ocuparam (e continuam se ocupando) com a parte imaterial do homo sapiens.

“Galeno, por exemplo, situa a alma (pneuma psíquico) no cérebro, mas não a elimina. Para ele, a alma seria dirigente do corpo, porém ainda segundo ele não devemos consultar os deuses para descobri-la, mas sim um anatomista. (id. ibid.).”[6]

Na verdade, até esta data (2015, século XXI) a resposta buscada ainda não foi plenamente respondida. Entretanto, para Marie tudo começou a ficar mais claro depois da publicação de A Origem das Espécies, de Charles Robert Darwin.

Eis como ela argumenta:

Antes de Darwin, o homem era uma criatura isolada, so­litária, recortada num fundo sem conexões, uma criatura sem passado nem futuro biológicos.”

Hoje, vivemos sobre um fundo evolutivo, e nosso destino remonta ao momento da primeira vida unicelular, estendendo-se a um futuro mais distante do que o pode conceber a imaginação mais ousada. (...) Darwin tornou indiscutível que o homem é um animal superior, e não um anjo decaído ou um deus de imi­tação.

Esta perspectiva, alongando-se até à ameba, se abriu para os psicologistas; eles imediatamente reconhe­ceram porque haviam realizado um progresso tão pequeno na compreensão da natureza do homem. Hoje, a psicologia e a psiquiatria reconhecem que o espírito humano, sem este fundo evolutivo, é totalmente incompreensível.

Aos defensores da teoria darwiniana de que o corpo do homem (incluindo o cérebro) é produto de um longo processo evolutivo juntaram-se outros homens ousados convictos de que o corpo e a mente formam uma unidade indissolúvel; ou seja, se o corpo morre, a mente morre com ele.

“Mantendo-se na tradição holística do pragmatismo americano, o filósofo Richard Rorty desinteressa-se das dicotomias metafísicas como “espírito versus matéria”, ou as da filosofia da ciência como “mentalismo versus fisicalismo” vivências que parecem transcender a experiência sensível; no kantismo, constituem o estudo das formas ou leis constitutivas da razão, fundamento de todas as especulações suprassensíveis dos tipos a totalidade cósmica, Deus ou a alma humana, etc. Também desdenha as dicotomias epistemológicas[7] do tipo “idealismo versus realismo” e, por isso mesmo, Rorty sai do paradigma moderno, cuja principal invenção em teoria do conhecimento foi a dualidade sujeito-objeto.[1]”[8]

Ainda assim, ainda há os que contestam, contra-argumentando:  O homem é mais do que o corpo, mais do que sua química e física, mais do que o cálcio, o carbono, o oxigênio, a eletricidade. Ele é tudo isto, mas vai além desses elementos. Eventualmente, até aceitam que a alma tenha certa conexão com o corpo. Mas se tratam de essências diferentes: a alma é imortal e o corpo não.

Por outro lado, a investigação do cérebro sempre foi difícil naqueles dias:

“Todos os órgãos, exceto o verdadeiro, foram suspeitos de sediarem o espírito.  A princípio foi o fígado, depois os rins, os intestinos, o coração (...) Aquele órgão discreto, silencioso, inacessível, segregado no crânio, talvez nunca tenha merecido quaisquer cogitações. (...) Aristóteles, fisiologista... o homem mais avançado do seu tempo, acreditava que o espírito estava estreitamente ligado com o sangue, porque a perda de sangue significava a perda de consciência e o sangue afetado pela febre significava delírio. Por conseguinte argumentava, sendo o coração a fonte do sangue, devia ser também a sede do espírito. [9] Na verdade foi um jovem aldeão, Alcmeon, quem disse que o misterioso conjunto de matéria encerrada no crânio, que parecia não ter função particular, podia ser a sede da razão. Mas como era um simples colono, os grandes homens de Atenas não lhe prestaram atenção...”

Mesmo quando as evidências confirmaram que o cérebro, e não o coração, [10] era realmente a sede do espírito, o aprofundamento de sua investigação pouco melhorou. Por que? Primeiro, porque era difícil arranjar um cérebro para pesquisar. Para conseguir um exemplar, um médico teria de ter não somente uma posição social elevada, mas também dinheiro suficiente para pagar preços exorbitantes, a pessoas sem escrúpulos, quando precisava de um cérebro que só podia ser obtido de forma ilegal. Para complicar, ainda mais, a ignorância e a religião trabalhavam de mãos dadas para impedir o homem de invadir o que consideravam “o sagrado recinto do crânio.”

Esta situação perdurou até o fim do século XIX. Foi, então, que surgiu um cirurgião inglês chamado Charles Bell. Um homem de sorte pois “...descobriu mais coisas sobre a anatomia e a fisiologia do cérebro, em 30 anos, do que todo o mundo médico nos 16 séculos precedentes.

Mas como ele conseguiu, se continuava faltando cérebros, mortos e vivos, para estudar? Ironicamente, por causa de uma guerra. O Dr. Bell foi um cirurgião de guerra e participou das batalhas napoleônicas o que lhe permitiu ver muitos cérebros vivos e mortos, e deslindar muitos meandros anatômicos e fisiológicos do sistema nervoso. Por isso, é considerado o pai da neurologia. Foi êsse o primeiro passo para o estudo do cérebro baseado em evidências materiais.

O segundo passo importante, surgiu em 1841, na sala de opera­ções de um hospital de Boston, onde um jovem dentista, o Dr. William Morton, “aplicou uma droga no pa­ciente, voltou-se para o cirurgião — as palavras marcaram o começo de uma época na História da Medicina: “Doutor, o seu paciente está preparado.” E o cirurgião realizou a primeira opera­ção pública sob anestesia (...) Assim tornou possível penetrar tanto no cérebro vivo, como no morto.”

O próximo passo importante foi o de comparar cérebros do homo sapiens com cérebro de macacos. E aqui, cedo outra vez a palavra a Marie, agora conversando com o Dr. James Papez:

Estamos no laboratório do Dr. James Papez, esse famoso laboratório da Cornell University onde se encontra a Cole­ção de Cérebros mais Primitivos.

Aqui, durante vinte e cinco anos ou mais, o Dr. Papez tem medido, pesado, comparado estes cérebros mortos, nu­ma tentativa para descobrir... o quê? Alguma explicação do desconhecido em termos do conhecido, uma espécie de ponte entre esta coisa tangível, o cérebro, e essa intangível, o espírito.

“A evolução”, murmura ele. “Toda vida, mesmo o cére­bro do homem, é uma evolução.” E expusera à minha fren­te cérebros de peixe, cérebros de macaco e cérebros de homem, para mostrar-me o que queria dizer.

E, de repente, digo em voz alta: “Se isto for verdade, é a história mais assombrosa do mundo! Se for verdade! ...”

Que há nisto — pergunta ele, descansando o compasso sobre um cérebro humano, — que explique... as campa­nhas de um Napoleão, as teorias de um Copérnico, uma so­nata de Beethoven, os princípios de Euclides, um poema de Keats?
                   
Mil cérebros estão diante de mim: cérebros de sábios e cérebros de idiotas, cérebros de crianças e cérebros de adultos, cérebros de peixes e cérebros de jacarés, cérebros de morcegos, gatos, símios. Cérebros de embrião humano em cada fase de desenvolvimento. Cérebros em frascos e em boiões, cérebros em delgadas fatias em cortes trans­versais e longitudinais, preparados em lâminas, suspensos em bálsamo.

O Dr. Papez passou a vida interrogando cérebros mortos, e, como veremos, êsses cérebros às vezes falam.

Olhemos, agora, por cima do ombro do Dr. Papez, que está inclinado sobre um par de cérebros minúsculos.
— Isto — explica-me ele — é o cérebro de um peixe. E isto, o cérebro de um embrião humano com cinco semanas de idade.

Fico olhando. É uma coisa esquisita, em que não se po­de acreditar e de que não se gosta. De que absolutamente não se gosta. É que estes dois cérebros são tão exatamente semelhantes que se o Dr. Papez recorrer a uma ligeira prestidigitação...

Desde esse dia, o fato da evolução nunca mais foi dis­cutido a sério, pelo menos por nenhum cientista. Ainda ho­je, porém, travam-se batalhas em torno do caminho se­guido por ela. A religião e a teologia retiraram-se da pri­meira linha de defesa para a proposição relativamente segura de que, embora a evolução pareça, na verdade, haver liquidado com Adão e Eva, ela não elimina Deus, neces­sariamente.

Darwin não foi o primeiro cientista que concebeu a teoria da evolução. Ainda que Aristóteles e Lamarck não hou­vessem existido, ele não teria sido o primeiro. Wallace atra­vessou com ele a fita de chegada. Contudo, o que importa não é quem diz uma coisa pela primeira vez, senão quem a diz melhor, e nenhuma outra exposição sobre a evolução pôde suportar comparação com a de Darwin. Ele não só tornou crível a evolução, como tornou impossível não acreditar nela. Chegou mesmo a torná-la atraente.

Ele muda várias vezes a posição dos dois cérebros e, co­mo quem perguntasse “Sapatinho de Judeu, debaixo ou de cima?” ergue o olhar para mim. E, agora, não posso dizer qual é o cérebro de peixe e qual o cérebro do embrião hu­mano. Sacudo a cabeça.

Volta ao armário que está atrás dele e coloca diante de mim outro par de cérebros, muito maiores, mas que para os meus olhos, mais uma vez, são exatamente iguais.

O Dr. Papez explica:
Estes dois cérebros, como a senhora vê, têm dois gran­des hemisférios unidos por uma larga comissura. Aqui é o cerebelo, aqui o córtex cerebral, aqui o lobo parietal. Observe a semelhança de todas as circunvoluções. Aqui fi­ca o hipotálamo, a cama óptica, o tálamo dorsal. Todas es­tas coisas se apresentam em ambos os cérebros e parecem exatamente iguais, não acha?
               
“Aqui”, digo comigo mesma, “sem dúvida alguma, está
o   cérebro dos bons e velhos vertebrados, altamente desen­volvido. Os dois são humanos, com toda a certeza. Papez desta vez não me enganará.”

Cérebros humanos — respondo decididamente, quando ele me interroga com uma sobrancelha arqueada. — Huma­nos, mas jovens. Assemelham-se como se fossem gêmeos.

Papez, com aquela sua cabeça em cúpula, com aquela penugem na calva e aqueles restos de cabelo que se ema­ranham atrás, até agora não foi além de um sorriso desde­nhoso; mas, nesta altura, aprendo que mesmo um cientista cheio de pó consegue dar uma alegre gargalhada. Papez encosta-se ao armário e sua risada faz estremecer aqueles cérebros seculares.

Bom — diz ele, finalmente, ainda com o rictos do riso, pois um cientista não arranja diariamente uma risada como esta — a senhora tem 50% de razão. Um destes cérebros é humano e, como diz, não é adulto. É, realmente, o cére­bro de um embrião, apenas com sete meses e meio de existência. E o gêmeo, como o designou com tanta graça, é o cérebro de um macaco. Quer dizer-me agora, qual é o homem e qual é o macaco?

Sinto vontade de recusar-me. É melhor sair dali o mais depressa possível... antes que o lugar se transforme num Gabinete do Dr. Galigari[11] e eu, acocorando-me, comece a pedir bananas.

Um erro bem perdoável -— murmura o Dr. Papez, acompanhando-me até a porta. — Eu também costumava come­tê-lo.

Na rua, não posso deixar de pensar naqueles dois cére­bros tão exatamente semelhantes: o cérebro de um macaco e o cérebro de um homem.

ONDE ENCONTRAR A ALMA DENTRO DO CÉREBRO?
Hoje, aceita-se com mais convicção que o homo sapiens e seu cérebro  evoluíram a partir de organismos unicelulares. Até aí, tudo bem... Mas, pergunto: O fato de concordamos com a evolução do cérebro, nos obriga a relacioná-lo com a evolução da alma? Se assim for, qual é a fonte física da alma do homem? Como preencher o hiato entre o cérebro físico e a alma imaterial, um último laço entre nós mesmos e o resto da criação?

Mais uma vez, franqueio a palavra a Marie:

Sabemos que no homem existe algo — chamem-lhe alma, chamem-lhe o espírito do gênero humano, chamem-lhe o gênio de humanidade — que nenhum outro animal possui. Êsse algo habilita-nos a construir o Partenon[12], ao passo que o macaco pode, na melhor das hipóteses, empilhar caixas.

Lá por 1632, um holandês[13] inventara um instrumento que podia revelar os segredos das fendas e recessos escondidos do corpo, mas, durante quase duzentos anos, o mundo médico, sempre conservador, continuou olhando para o microscópio como uma simples novidade de pequena utilidade para um médico. Foi, pois, indesculpavelmente tarde, que afinal o assestaram sobre o cérebro.

Descobriram então que, embora o cérebro, como todos os tecidos vegetais e animais, fosse feito de células e de seus produtos, este tecido era profundamente diferente de qualquer outro tecido do corpo — de qualquer outro tecido do mundo. Isto era algo absolutamente inesperado e muito estranho. Por que é que era diferente? Com que fim?

A opinião científica mais esclarecida sustentara, anteriormente, que o cérebro era uma glândula que segregava o pensamento mais ou menos como as glândulas suprarrenais segregam a adrenalina. Agora, porém, o microscópio lhes mostrava que o tecido do cérebro era tão semelhante ao tecido glandular como de qualquer outro tecido do corpo, e que não segregava nada, e muito menos o pensamento. Naturalmente, o passo seguinte consistiu em investigar minuciosamente este novo e estranho tecido, para descobrir o que ele fazia e como o fazia.

Agora, finalmente, estavam na pista certa, prontos para a grande aventura: a busca da verdadeira fonte física do espírito do homem. Sabiam que o cérebro era a sede da sensação, e que controlava o sistema nervoso e a consciência. Mas seria, porventura, a fonte das faculdades superiores? E se o fosse, onde estava a prova? O cérebro do macaco certamente explicava todos os processos mentais de um macaco. Mas quanto ao cérebro do homem: explicava ele inteiramente todos os processos mentais do homem? Se explicava, qual a prova, onde estaria ela?”

Acreditar ou descobrir?
Qual é o único órgão do corpo humano capaz de formar pensamentos? Até agora acredita-se que seja o cérebro. Então, se quisermos encontrar o mecanismo neural que explique como o cérebro “fabrica” o pensamento – poder especial que rege a superioridade do ser humano sobre os outros animais – precisamos aprofundar a investigação do cérebro para descobrir a base física do pensamento sem precisar acreditar na existência da alma.

Já sabemos, nada que está visível no cérebro do homem - bastante similar ao dos grandes macacos - explica a sua superioridade. Nada que seja detectável nem macro nem microscopicamente.

Portanto, urge encontrar outro caminho. Será que poderia ser a linguagem, uma função que faz a diferença entre o homem e os demais animais? Se assim for, teríamos de procurar, no cérebro, o mecanismo físico que a produz. Raciocinando assim, Marie construiu um debate entre ela e interlocutores fictícios:

“Parece que ouço vocês dizerem:

Espere um minuto a linguagem... sim, ela é importante. E naturalmente uma das nossas grandes vantagens sobre os animais... Mas o que você está dizendo é que ela é, praticamente, a mesma coisa que o pensamento. E não é. Nem de longe!

Não?  Fiquem aí onde estão e tentem pensar qualquer coisa, por mais elementar que seja, sem palavras. Conseguiram?
E não é só isso; o número de palavras que o indivíduo usa é a melhor medida de sua inteligência. Quando um ser humano deixa de adquirir palavras, é porque atingiu o teto de sua inteligência[14]. Continuará pensando, mas apenas com as ideias (as palavras) que já adquiriu. Quanto maior o vocabulário de um indivíduo, tanto maior a sua inteligência. (...) Em qualquer grupo de homens, o teste quantitativo de vocabulário separa os chefes dos empregados. E não é só isto: ele separa aqueles que serão chefes, daqueles que não o serão; e anos depois, os fatos mostram que o teste é quase cem por cento exato. Verifica-se que os homens bem sucedidos, quer nas carreiras liberais, quer no comércio, são quase, invariavelmente, aqueles que alcançam os pontos mais altos neste teste de vocábulos. Sabendo que o “calouro” de uma escola superior comete uma média de 76 erros no teste, o diplomado 27 e o professor universitário 8, qual vocês supõem que seja a média dos dirigentes principais das grandes companhias? ... A resposta é 7: menos erros do que um professor! Comprova-se que mais palavras significa melhores ideias.

 Compreendemos o intelecto de Milton[15] quando ele desenreda o céu e o inferno diante de nós, de forma profunda. E se contarmos as palavras que usou, veremos por quê. Quinze mil palavras! Comparem isso com os poucos milhares de palavras do homem médio e as poucas centenas do homem ignorante.

Shakespeare[16], porém, sobrepuja Milton como o Everest supera o Monte Branco, e a razão se torna evidente quando verificamos que seu vocabulário é 25 por cento maior: vinte mil palavras!

Não poderei, então, dizer agora que aquilo que deve ser procurado pelo ousado aventureiro que se disponha a descobrir a chave de nossa humanidade, é o mecanismo do cérebro que produz a linguagem?

Este homem surgiu, sim, e colocou o problema desta maneira: Desejo descobrir essa região do cérebro do homem onde acontece algo que não acontece em nenhum outro cérebro da terra; onde a barreira entre o homem e o macaco, fina como uma membrana, se despedaça, brotando a linguagem. Desejo descobrir a verdadeira ponte fisiológica entre o animal superior e o homem inferior.

Será isto possível? Se o for, estaremos finalmente no bom caminho, em nossa pesquisa em torno da sede do espírito do homem. Enquanto não soubermos onde está o espírito e o que ele é, não podemos esperar compreender como opera, na doença e na saúde, e como melhorá-lo. E é isso o que estamos tentando descobrir.”


Apresentando Tan
Ano, 1861. Um homem agoniza no hospital de Bicêtre, Paris. Indigente, anônimo, que viveu da caridade pública durante vinte um anos, e foi detestado por todas as pessoas que entraram em contato com ele: enfermeiros, companheiros de enfermaria, médicos. Trata-se de um sujeito de má índole, egoísta e vingativo, além de ser tão gatuno como é possível sê-lo numa enfermaria pública.

E, sem dúvida, tem um nome: é chamado, por todos, de Tan. Mas por que Tan?  Porque durante vinte e um anos, não pronunciou uma única palavra a não ser esta sílaba, tan. Não é que não o haja tentado. Vinte vezes por dia fica vermelho de raiva num esforço para falar (...) Sem dúvida, conhece uma porção de palavras que não sabe pronunciar, a maioria delas feias.

Além de ter um péssimo caráter, Tan possui apenas uma inteligência medíocre, e ambos pioraram progressivamente durante seus vinte e um anos em Bicêtre. Entretanto, o cérebro desta negação deverá tornar-se um dos mais famosos da História da Humanidade.

A perna gangrenada e o vocabulário unissilábico de Tan
“Certo dia, Tan fica tão mal que é transferido para a enfermaria de cirurgia, despertando a atenção de um jovem cirurgião que aos trinta e sete anos apresenta uma carreira raramente igualada por sua rapidez e brilho, não se interessa, absolutamente, depois do primeiro olhar, pela perna gangrenada que levou Tan até ele (compreende imediatamente que Tan morrerá em alguns dias) mas, inexplicavelmente, mostra um imenso interesse pelo vocabulário unissilábico de Tan.

Percebe que dispõe de poucos dias da vida de Tan para investigar, por isso tem de trabalhar depressa. Convoca todos os médicos, enfermeiros, doentes da mesma enfermaria, parentes que algum dia conheceram este indigente e interroga-os interminavelmente, tomando nota das mais Ínfimas minúcias de informação que lhe podem dar.

Depois, senta-se ao lado da cama de Tan e lhe fala, examina-o e reexamina-o de todas as maneiras imagináveis. Traz mesmo um ou dois médicos importantes para darem uma olhada nele: não à perna gangrenada (que é apenas um cronômetro pendurado em Tan) mas à garganta, ao tórax, ao rosto, à língua, aos lábios, à perna e ao braço direitos, ambos paralisados, à face e ao olho esquerdo, paralíticos.

Submete a teste a audição, a visão, a memória, a inteligência de Tan; fá-lo pronunciar vezes sem conta o seu famoso tan, mas não com tanta frequência como agradaria ao próprio Tan. O médico gostaria de passar todo o dia e toda a noite ao lado da cama de Tan, mas, conforme declara em seu relatório, Teria sido cruel interrogá-lo demasiado.”

Cérebro, morto, fala?
Seis dias depois de dar entrada na enfermaria, Tan morre. Vinte e quatro horas após, seu cadáver está na mesa de autópsia. Vinte e sete horas depois de sua morte, o seu cérebro, este cérebro que deverá ficar famoso, está fora do crânio que o alojou durante mais de cinquenta anos, e pronto para a dissecção, sobre a mesa.

Chegamos, agora, ao momento em que o jovem cirurgião, que concentra em Tan um interesse maior do que o de quantos os conheceram, se abanca em seu laboratório diante do cérebro desta nulidade.

Tem uma pergunta a fazer-lhe: uma das perguntas mais momentosas que o homem fêz até hoje. E acredita que este cérebro morto pode responder o que o cérebro vivo não pôde.

- Por que é que você está tão entusiasmado pelo cérebro do velho? - podemos imaginar um dos seus colegas a perguntar-lhe. - O velho Tan não pronunciou uma única palavra durante mais de vinte anos.
- Exatamente por isso é que desejo examinar o seu cérebro.
- Por que o cérebro? Por que não as cordas vocais?
- Ora. . . porque as cordas vocais estavam bem.
- Então, a laringe, a faringe, a epiglote, o céu da bôea. . . qualquer um dos seus órgãos articulatórios.
- Examinei todos eles. Funcionavam perfeitamente. O seu tan era uma obra-prima de articulação pura.
- Mas... ele não era um tanto? ... - O médico bate
de leve na testa.
- Absolutamente não. Tirei isso a limpo. Não... a sua mente era perfeitamente sã. Capaz de pensar muito bem...
 apenas não podia falar.
- Mas então, se nada de errado havia na mente dele, por que deseja examinar o seu cérebro? - Hum... Provavelmente está pensando em fazer alguma charlatanice com esse seu microscópio!”

Desperdício de tempo?
“Não parece um desperdício de tempo este jovem cirurgião sentado ali com seu microscópio e este cérebro morto, a fazer-se estas perguntas? Se ainda fosse um cérebro vivo e estivesse num crânio de vidro, o microscópio mais poderoso não poderia revelar os processos de pensamento e mostrar as palavras no ato de serem fabricadas. Como, pois, encontrar a resposta num cérebro morto, mudo há vinte anos?

‘Olhemos o cérebro’, diz o nosso jovem cirurgião, com o cérebro de Tan na sua mesa de autópsia; e, com estas palavras, estamos no começo de uma série de pesquisas que nos levarão a descobertas inimagináveis. Finalmente, começamos a procurar no lugar certo, a “sede” do espírito.”

Pierre Paul Broca, um gênio?
Quem é este jovem pioneiro de uma nova ciência? É Paul Broca. Ao nascer, em 1824, era um menino prodígio. Sua natureza portentosa foi anunciada ao mundo no seu primeiro vagido, quando se viu que ele possuía dois grandes incisivos, distinção de que participou com o prodigioso Mirabeau e Luís XIV. A partir desse momento, atraiu constantemente a atenção fascinada de seus contemporâneos. Entrou para o curso secundário com uma idade que não me atrevo a mencionar, saindo aos dezessete anos com três diplomas: bacharel em letras, em matemática e em ciências físicas. Era médico aos vinte anos, quando muitos homens, hoje, apenas estão entrando para a Escola de Medicina. Com vinte e quatro anos, recebia medalhas, honras, prêmios e posições: tudo que encontravam à mão, aqueles que tinham poder para conferir recompensas.

Tornou-se famoso de tantas maneiras que é difícil acreditar na história. Pelas brilhantes pesquisas na histologia da cartilagem e do osso, que realizou com o seu desdenhado microscópio. Por já ter contribuído para a ciência da cirurgia, quando estava com trinta anos, mais do que qualquer outro homem dessa idade, em qualquer tempo, ou em qualquer país. Por ter criado a ciência da craniologia. Por ter inventado tantos instrumentos para medir e estudar o cérebro e o crânio, que uma simples relação deles encheria páginas: para medi-los por dentro e por fora, sem serrar nem abrir o crânio; para medi-los mortos ou vivos; para medir-lhes a espessura, os ângulos, os contornos, a capacidade, o peso, o ângulo facial, a relação com a coluna espinal. . . mais medidas do que jamais se havia pensado até então e quase todas em que já se pensou até agora.

Por ter criado a ciência da antropologia, que constitui pelo menos nove outras ciências. Por ter fundado a Escola, o Laboratório, a Sociedade de Antropologia. Por ter realizado uma obra brilhante (tudo quanto fazia era brilhante) em anatomia comparada dos primatas. Por ter efetuado notáveis investigações em torno das funções do cérebro humano. Por ter escrito centenas de livros e de artigos (cinquenta e três estudos somente sobre o cérebro) sobre assuntos científicos e nada do que escrevia era medíocre. Por ser um eloqüente orador público.

Trabalho, trabalho e mais trabalho, eis o seu cotidiano
Quando se tratava de trabalhar, não conhecia nem o dia nem a noite. Cansado, procurava repouso em mais trabalho. Finalmente esgotado, atirava-se a algum outro trabalho até se renovar o bastante para prosseguir indefinidamente.

Acima de tudo estava o caráter do homem. Aqueles que o conheceram, com tal veemência o favorecem que chegam a desafiar a nossa capacidade de acreditar. Suas crônicas fervem de adjetivos: “generoso, benevolente, bondoso, honestidade e coragem inquebrantáveis, venerado, jamais fez um inimigo e jamais perdeu um amigo, nobre, êmulo de Cristo”. É demais. O homem era um monstro de virtude.

E, se quiserem saber, ele foi, além de tudo isto, um homem afrontosamente belo.

Resumindo, era um desses homens quantos haverá? — que nos forçam a exclamar: “Assim é que os homens deviam ser!

De sorte que, ao vermos agora Paul Broca inclinado sobre o cérebro deste Tan inerte, fazendo-lhe uma pergunta que jamais havia sido respondida, talvez vocês pensem: “Eis um homem que pode, se é que alguém o pode, dizer-nos o que desejamos saber.”

A TEORIA DE PAUL BROCA
"Broca tem uma teoria. Eis como a apresenta diante de si mesmo: “Este homem já pôde falar. De repente, perdeu a faculdade da linguagem... mas não a de compreender a linguagem. Tampouco era um mudo. Por conseguinte, em alguma parte deste cérebro deve haver um local apropriado para a articulação de palavras, o qual é diferente do local para a audição e a lembrança de palavras, diferente do local para a leitura e a escrita de palavras. Este local sofreu, em certo momento, um ataque de epilepsia, foi destroçado por algum ferimento causado ao cérebro. Se eu pudesse pôr o dedo em cima desse ferimento!”

Não podemos acompanhar Broca através dos labirintos da dissecção, através das explorações dos lobos, circunvoluções, sulcos e nervos dos cérebros, um mecanismo tão intrincado que a máquina mais complicada até hoje inventada pelo homem é tosca e infantil em comparação com êsse mecanismo. Não podemos acompanhar suas cuidadosas observações científicas, seus raciocínios sutis. Podemos, apenas, anunciar a sua memorável descoberta: que finalmente, na terceira circunvolução frontal esquerda, num lugar a ser para sempre conhecido por ‘circunvolução de Broca, ele topou com o foco primitivo, o lugar de origem da lesão que fizera de Tan, posteriormente conhecido como o Cérebro N.° 55 do Musée Dupuytren, um hóspede do Bicêtre durante vinte e um anos.

E agora ele raciocina: “Se a função da linguagem pode ser anulada por uma lesão numa pequena porção do cérebro, e apenas a uma, não é isso o mesmo que dizer que aqui, neste local particular, e em nenhuma outra parte, está a sede da linguagem? E se é a sede da linguagem, é também o centro do pensamento, pois sem a linguagem é pouco possível pensar de fato. Portanto, certa porção do cérebro, na qual posso colocar o dedo, encerra o segredo de superioridade do homem sobre todos os outros animais.

Não podemos subir mais do que subimos aqui. Chegarmos ao próprio limiar da razão, ao lugar onde certos processos de pensamento efetivamente acontecem, eis um momento alto na busca da alma do homem. Estamos no verdadeiro cenário da fonte física de um processo puramente mental. Estamos no lugar onde o material se torna espiritual. Aqui se realiza a transformação do animal em homem. No seu cérebro, e só no seu, acontece este milagre da linguagem.

Uma sensação do mundo exterior topa num nervo, precipita-se ao longo de uma fibra nervosa, até o seu fim num ponto de parada físico do cérebro, onde se transforma em uma percepção consciente. Seguindo sempre uma fibra nervosa, esta percepção precipita-se para o seu fim físico, onde é traduzido em sons — em linguagem. A linguagem é o único dote humano de tal forma associado com o pensamento, que é quase impossível pensar sem ela. Podemos sentir sem a linguagem: não podemos, verdadeiramente, pensar sem ela. A distância imensurável entre o homem e o macaco, segundo vemos ao investigar a evolução desta faculdade transcendente, ser largamente explicada pela linguagem.

“Esse homem, Tan, sofreu uma lesão cerebral progres-siva”, continua ele. “Prova-o a lenta paralisia do corpo, insinuando-se no fim até a própria faringe. Isso torna ainda mais difícil descobrir a lesão original.

Se Tan houvesse morrido no dia em que perdeu a faculdade da linguagem, e se então eu dispusesse do seu cérebro, poderia ter visto de um relance onde estava o ferimento que lhe destruiu a linguagem. Mas, agora, a doença foi demasiado longe... Olha aqui: nenhuma parte dos dois hemisférios do cérebro está em bom estado. Tudo amoleceu nesta lenta e terrível dissolução do cérebro. Contudo, uma vez que a doença era progressiva, deve ter começado em um determinado lugar, espalhando-se a partir dali. Seria esse o lugar cuja lesão deixou Tan sem fala. Uma vez que o seu primeiro sintoma foi a perda da linguagem, esta perda deve ter sido resultado de seu primeiro ferimento. Ora, se eu puder achar o lugar onde o amolecimento teve início...”

“Da teoria para a prática: ei-lo agora em ação.
Não fica simplesmente sentado ali, a contemplar este cérebro morto como os metafísicos, a parafusar especulações. Não; é um cirurgião, um homem de bisturi e serras, sondas e todos esses complicados instrumentos de medir e pesar que inventara justamente para tal fim.

Cortando com um cuidado infinito a massa amolecida do cérebro, vê logo que aquilo com que se vai ocupar não é um tumor nem um abscesso, pois aqui não há formação de massa, mas uma efetiva perda de substância do tecido cerebral, que está cheio de líquido. Parte da metade esquerda deste cérebro foi gradativa e completamente destruída; ali, tudo está morbidamente mole.

“Torna-se agora evidente”, diz ele, “que a primeira investida do amolecimento deve ter ocorrido no local onde encontro a maior perda de substância. A doença espalhou- se, pois, a partir desse ponto, por continuidade de tecido. O ponto onde se originou deve, por consequência, ser procurado não entre os órgãos que agora estão moles ou em processo de amolecimento, mas entre aqueles que estão completamente destruídos, aqueles "que perderam a maior parte de sua substância.”

“Vocês podem ver agora como a inteligência de um cientista e não a de um filósofo ou de um teólogo por mais, profundos que sejam, ataca este problema? Aqui, temos um homem determinado a acreditar apenas naquilo que vê, mas determinado, também, a ver tudo que há para ver. de ocorre este milagre; a um local onde toda a filosofia e toda a teologia de dez mil anos nunca nos levaram.

Veem vocês agora como, pelo estudo do cérebro, este órgão durante tanto tempo desprezado, estamos começando a lançar um pouco de luz sobre a questão da mente. À medida que avançarmos, veremos essa luz crescer cada vez mais, até finalmente, onde há tão pouco tempo tudo eram trevas, alcançarmos, pelo menos, uma alegre alvorada.”

UM CASO, É SUFICIENTE PARA CONSOLIDAR UMA TEORIA?
"Mas uma andorinha só não faz verão... e um caso jamais constituiu prova. O longo braço da coincidência nunca é tão longo como quando se estende para confundir algum jovem cientista, por mais brilhante que ele seja, em um novo campo de pesquisa. O Caso de Tan... sim, interessante, muito interessante, disseram os médicos. Alguns doutores tomaram conhecimento dele, acharam que indicava possibilidade... Mas o mundo médico é, sabidamente, difícil de convencer. Eles chamam a isto ser conservador. Queriam mais provas.

O próprio Broca era o pior.

“Precisamos de outros casos”, insistia. “Precisamos verificar se, com a perda da linguagem, sempre há lesão nesse mesmo lugar.”

Mas Estes casos de afemia (a abolição da linguagem articulada com preservação da atividade de articulação e da faculdade geral da linguagem), como Broca designava o mal de Tan, não são assim tão fáceis de encontrar: são, na realidade, raríssimos. Contudo, a informação de Broca pusera os médicos alertas, de sorte que, de vez em quando... Houve o caso de Bart Mathews.

Certa manhã, em Londres, num cruzamento de ruas, Bart escorregou e caiu; e, ao cair, uma vareta do guarda-chuva penetrou-lhe na órbita de um olho. Bart foi transportado para um hospital.

Bom, a coisa não é tão feia assim, disseram os médicos depois dos pensos. Não é nada feia, muito pelo contrário. Moço, você não perderá a vista. Alguns dias na cama e provavelmente enxergará tão bem como antes. Que acha disso?

Bart sorriu com as partes do rosto que haviam ficado fora das ataduras e se dispôs a dizer que isso era uma maravilha, quando verificou que não podia, que absolu-tamente não podia pronunciar uma única palavra!

Era espantoso! Bart estava confuso porque compreendia todas as palavras que os médicos diziam. Os médicos, porém, estavam mais confusos do que todos. Trouxeram às pressas outros médicos, tentaram tudo o que lhes ocorreu, finalmente resolveram que talvez uma boa noite de repouso . . .

Ora, quando os médicos não podem lembrar-se de mais nada que uma boa noite de repouso... Naturalmente, Bart continuou tentando falar: com cada enfermeira que metia a cabeça no quarto, com os parentes quando apareceram para lhe dizer que após uma boa noite de repouso... e consigo mesmo, quando ficava só. Mas era inútil. Não pôde emitir uma única palavra.

A boa noite de repouso não ajudou. Talvez outra, talvez outras ajudassem. Qual nada! Elas não trouxeram aos seus lábios nem mesmo um monossílabo. Os médicos, com muito brilho, pst.ahplpneram meios para determinar a extensão do mal, embora não se mostrassem tão brilhantes na descoberta de meios de cura. Passaram um jornal aBãríníé^órriu e sacudiu a cabeça. Podia lê-lo como a Tia Gansa. Mas daí a pronunciar as palavras!... Deram-lhe lápis e papel. Rápido como um relâmpago, escreveu: “Posso dizer tudo o que desejo.. . no papel.”

Bart Mathews, pobre homem, não teve jeito. Nunca mais voltou a falar. Os médicos comunicaram o seu caso às associações médicas, e ele entrou para os arquivos como mais uma prova da teoria da afasia parcial, ou afemia, devida à lesão na zona de Broca.

Alertados por estas comunicações, médicas, cada vez em maior número, começaram a investigar casos de afasia: afasias causadas por acidentes como o de Bart, ferimentos na cabeça, tumores, abscessos, amolecimento do cérebro. Em breve tinham dúzias de casos; em breve os tinham às dezenas; em breve não podia mais haver dúvida quanto a isto: uma lesão naquele lugar especial, a terceira circunvolução frontal esquerda, invariavelmente tinha como resultado a incapacidade de falar. A teoria de Broca estava provada!

Ótimo! Mas para um homem como Broca, isso era apenas o começo. Havia muito mais a aprender sobre essa faculdade da linguagem, tão complicada como o próprio pensamento.

“A linguagem não é apenas uma coisa”, raciocinava ele consigo mesmo. “Nem é simplesmente a capacidade de pro- nunciar palavras. Uma faculdade geral da língua preside a todos "os nossos modos de expressão do pensamento. A linguagem é a faculdade de estabelecer uma relação constante entre uma idéia e um símbolo, quer êsse sinal seja um som, um gesto, uma figura ou qualquer outra espécie de marca. A linguagem toma a forma de palavras faladas, palavras impressas, palavras acenadas, e mesmo, com os cegos de palavras tateadas.

"Sou levado a afirmar que cada uma destas formas de linguagem tem sua zona independente e distinta, no cérebro. Acredito que haja um centro para ver as palavras, um centro para ouvir as palavras, um centro para acenar as palavras, um centro para escrever as palavra, exatamente como há um centro para pronunciar as palavras. Assim, o que devo fazer em seguida, é tentar localizar todas estas outras zonas da linguagem.”

Certo dia, aconteceu uma bela coisa. Morreu uma mulher em Paris, uma mulher inteligente e bem-educada, que, conser-vando até o fim a capacidade de falar, perdera, havia muito, a capacidade de ler.

“É agora!” exclamou o jovem Broca. “A agora a oportu-nidade para localizar esta minha famosa zona da linguagem visual!”

Abancado no laboratório, com o cérebro desta mulher à sua frente, assim raciocinava:

“Devo encontrar um tumor. Não no local onde teve início a lesão de Tan... não. Perto dele? Acho que sim. Estas diferentes formas de linguagem estão estreitamente relacionadas. Agem harmonicamente. Por consequência, embora cada uma deva ter a sua sede separada e independente no cérebro, visto que cada uma, em virtude de uma lesão a um dado local do cérebro, pode ser removida sem prejudicar nenhuma das outras como no caso de Tan, como no caso desta mulher elas devem estar ligadas. Espero, portanto, encontrar a sede da linguagem visual próximo da sede da linguagem vocal.”

E no cérebro desta mulher morta, procedendo cautelo-samente como no caso de Tan, Broca, conforme previra tão brilhantemente, alcançou afinal o centro da linguagem visual— e, de fato, próximo do centro da linguagem vocal. É esta a sua segunda contribuição para o descobrimento das zonas da linguagem.

“Mas esta faculdade de falar”, provavelmente vocês esta-rão dizendo com seus botões, “é mais complicada do que parece a princípio. Você explicou multo bem onde ela funciona... na zona de Broca e "zonas associadas. Mas como funciona?

'"Sim, precisamos examinar isso. Qual é o mecanismo exato da linguagem? Que é, precisamente, o que se verifica nos recessos dêsse órgão inacessível e silencioso, o cérebro, quando falamos?

Raciocinemos.
Uma criança nasce. Nasce sem fala. Por muito tempo depois de nascer, continua sem fala como um macaco, e continuaria para sempre sem fala se não a ensinassem a falar. Embora todos os seus antepassados hajam falado durante muitas centenas de milhares de anos, ela não herdou uma só palavra, nem sequer um papai. A linguagem não é fácil, como o é esta outra característica humana, andar de pé, capacidade que, entregue aos nossos próprios recursos, acabaríamos adquirindo. Não; é uma coisa que nos deve ser ensinada.

Nascemos sem a linguagem: nascemos ignorantes. Se nunca adquirimos alguma forma de linguagem, continua-remos ignorantes durante toda a vida.

Mas a criança, como qualquer outro animal, faz ruídos: ruídos expressando os seus sentimentos. Chora, “ri”, geme. A princípio estes ruídos, como os de muitos animais inferiores, são, todos eles, vogais. Vêm depois novos sons, em certa ordem, sempre a mesma ordem para todas as crianças: primeiro grunhidos ainda, depois o verdadeiro riso, depois a imitação sem sentido, de sons, até que, lá pelo duodécimo mês, começa a articular algumas palavras simples, primeiro nomes, depois verbos, adjetivos, etc. A partir de então, marcha, incessantemente, da ignorância para a inteligência, em proporção com a aquisição de palavras.

Agora, quanto ao processo neurofisiológico.

Ao nascer a criança, o córtex cerebral (a capa cinzenta do cérebro) se acha em estado plástico. Suas células, pela maior parte, encontram-se na fase de não-funcionamento, estado potencial em que são chamadas de neuroblastos. Sim, dir-se-iam sementes que germinarão quando o calor do sol penetrar; ou um filme que registrará uma imagem quando, a luz o ferir. Essa luz é, ordinariamente, a palavra ouvida.

As primeiras palavras que a criança ouve são recebidas na zona acústica do seu cérebro. Lá, elas causam uma fraca impressão e devem ser ouvidas repetidamente para que os neuroblastos tomem nota efetiva destes sons. Um trilho neurônico deve ser aberto pela repetição de palavras. Quando os sons forem registrados, o neuroblasto, de potencial que era, torna-se ativo. Um neuroblasto assim transformado, é chamado neurônio. Finalmente, chegamos a ter uma biblioteca inteira de neurônios.

Mas a criança ainda não sabe falar. Até aqui, as palavras estão registradas apenas na zona acústica. São apenas palavras ouvidas — e, não, compreendidas, lembradas; não, palavras faladas. Elas ainda não alcançaram a zona de Broca.

Mas as células e fibras nervosas do córtex cerebral são contínuas. O impulso dos neurônios ativos na zona acústica viaja para a zona de Broca, a zona comum de execução da linguagem. Gradativamente, esta zona acústica se liga por meio de neurônios com a zona auditopsíquica: e começa o processo de lembrança das palavras. A mesma coisa ocorre na zona visual, a zona onde se ligam a palavra e o objeto. Finalmente, os neurônios ligam as zonas auditivas e visual com uma zona de associação: e temos, em plena madureza, a faculdade da linguagem. As palavras agora são ouvidas, ligadas com um objeto visível. Lembradas, compreendidas e pronunciadas! Tudo por causa da conversão dos neuroblastos em neurônios.

É isso, portanto, o que acontece no cérebro do uma criança que está aprendendo a falar. Embora não possamos observar o andamento deste processo no cérebro vivo, sabemos, por experimentações de laboratório e da prática clínica, que isto é o que deve acontecer.

Os neuroblastos que podem fazer isso, existem apenas no cérebro do homem.

Esta explicação do mecanismo da linguagem é, admitimos, bioquímica, pois que a vida e as funções de um neurônio não passam de processos químicos Quando dizemos, com Berry. que as idéias são simplesmente palavras armazenadas em neurônios corticais em consequência de estímulos anteriores acumulados de de som ouu de visão, estamos dando uma explicação  do pensamento . E muita gente protestará contra qualquer espécie de explicações químicas de suas almas imortais.

Dirão: “Ora, essa! Onde já se ouviu falar em mistura de células cerebrais e de ideias? Não pode ser... é como azeite e água. O que vocô esta dizendo, em palavras simples, é_ que o físico se torna mental E isso, em plavras simples, é bobagem!
'
Convém lembrarmos que foram as muitas explicações anticientíficas do espírito quo por tanto tempo retardaram a compreensão, por parte do homem, de sua própria natureza, causando a confusão e o atraso de todas as ciências mentais. A omissão do uma base anatômica e fisiológica no estudo da linguagem, segundo o eminente Dr. Klnnlcr Wilson, foi o principal responsável pela longa confusão em torno dos nossos processos mentais.

Hoje, nenhum cientista rejeita esta explicação físico-quí- mica da linguagem. Nenhuma outra explicarão, execeto esta de um número incalculável de neurônios que armazenam imagens auditivas e verbais, esboça sequer um esclare-cimento do fato da linguagem; e, se explica a linguagem, explica também, grandemente, o espirito. E enquanto não dispusemos desta explicação científica do espírito não pode haver uma verdadeira ciência da psicologia e da Psiquiatria. Ouçamos, pois, mais alguma coisa sobre esta faculdade da linguagem, que lança tanta luz na natureza humana.

Ela é ainda mais misteriosa do que nos parecera, e foi em virtude destas perguntas diretas e inquisitivas de Broca que o mistério finalmente se dissipou.

A segunda pergunta que fez a si próprio foi esta:
“Há muitas espécies de afasia”, disse ele. “Há a afasia motora, a incapacidade de pronunciar as palavras, como aconteceu com Tan. Há a afasia visual: não compreender a palavra impressa ou escrita, como aquela senhora educada que não podia ler. E há a afasia auditiva, que significa não compreender a palavra falada dos outros.

“Suponhamos, agora, que se hajam investigado todos os casos de cada espécie de perda da linguagem nos quais possamos pôr a mão? Poderemos, assim, localizar todos os centros da linguagem no cérebro e, finalmente, descobrir muita coisa sobre os processos do pensamento.”

Uma vez no rasto, os médicos e cirurgiões trabalharam como verdadeiros cães de caça. Começaram descobrindo casos que conduziram ao mais estranho, ao mais assombroso ...

Houve, por exemplo, o caso de Cecil Handover.
Handover era um professor de línguas numa escola inglêsa. Falava corretamente francês, latim, grego, inglês, e Oxford: uma língua de sua exclusiva especialidade.

Um dia, Handover sofreu um acidente em que recebeu graves ferimentos na cabeça. Quando estava bastante reposto para fazer alguma leitura leve — verificou que não podia ler! Nem uma única palavra de sua língua materna, o inglês, lhe era inteligível. Mas não foi esta a coisa realmente estranha do seu caso. Este fenômeno, os médicos já o haviam observado antes. O estranho foi que, certo dia, quando lhe aconteceu olhar para um exemplar da Poética, de Aristóteles, no original grego, verificou que podia lê-la como se fosse uma cartilha! Experimentam-no então no latim. Sim.. . sim, podia também ler Horácio no original. Mas ele franze as sobrancelhas, gagueja, sacode a cabeça. Não, não o pode ler tão bem como o grego. Estranho... porque antes do acidente compreendia as duas línguas mortas igualmente bem.

A coisa é ainda mais misteriosa. Trouxeram-lhe um exemplar de Le Cid, que ele anteriormente conhecia quase de cor. O texto francês, agora, lhe é praticamente ininteligível. Articula algumas palavras, algumas frases, mas vacilando. Quanto ao inglês, sua língua de infância, continua até o fim totalmente incapaz de decifrar. Para ele, era como... grego, não: como chinês.

As coisas se encaminham, assim, para um ponto ainda mais delicado do que aquele onde os deixara o caso de Tan e da senhora que não podia ler. E, tornava-se agora evidente, não só havia centros independentes e distintos para a articulação da linguagem, para a visão da linguagem e para sua audição, como também centros independentes para cada língua dife-rente! Parece até que o cérebro, à medida que se torna mais conhecido, torna-se mais misterioso.

Havia, apenas, uma conclusão a tirar destes fatos: que o cérebro é uma biblioteca onde há prateleiras separadas para cada língua. Com cada nova língua que adquirimos, acrescentamos uma nova prateleira a nossas zonas de linguagem, e estas, por sua vez, estão divididas em compartimentos para ver, ouvir e pronunciar estas línguas.

Mecanismo complicadíssimo, Este nosso cérebro.

Casos sucederam-se a casos, até finalmente ficar provado a fartar que a faculdade geral da linguagem reside no cérebro; que ela tem muitas subdivisões, cada uma com seu centro independente; e que uma lesão num destes centros priva-nos de um método de comunicação, mas não de todos. Como vocês veem e conforme Broca calculava, o espírito do homem vai sendo gradualmente descoberto por meio da faculdade da linguagem.

Broca, porém, ainda não está satisfeito. Insiste em que se está apenas no começo. Continua com sua insaciável investigação.

Sabem vocês que teoria das faculdades mentais era aceita, com toda a seriedade científica, nos dias de Broca e por algumas pessoas que vivem ainda hoje? Nem mesmo o imaginam?

A teoria da frenologia! Esta falsíssima ciência, que hoje está para a psicologia na mesma relação que a alquimia para a química, ou a astrologia para astronomia, era sã e boa ciência no tempo de Broca. Os frenologistas sustentavam (e foram o grupo maior, mais popular e cabeçudo de toda a história da psicologia) que as bossas do crânio indicavam a localização de certas faculdades. Você está doido e quer brigar? Pois debaixo daquela bossa (no seu caso particular, grande) por detrás do seu ouvido, processa-se uma intensa atividade; o seu senso de combatividade desperta. Você vê uma fêmea atraente e fica grandemente impressionado? Pois debaixo da Bossa N.° 1, logo acima de sua nuca (experimente-a. . . deve estar quente) a atividade é terrível. Você é um bichão na matemática? Procure entre o ôlho e o ouvido, a Bossa N.° 28, que, no seu crânio, deve ser prodigiosa. Você aprova o que vê em cada espelho por que passa, e o que acha de si própria, vê nos olhos de todos os homens e mulheres com que topa? A Bossa N.° 10, atrás da cabeça, lhe diz por quê: a sua vaidade é exagerada.

Tudo isto teve início nos primeiros anos do século xix; çomeçou-o um médico alemão de cabedais científicos não insignificantes, Gall. que foi o primeiro a insistir que a matéria cinzenta de nossos cérebros é a parte realmente valiosa, mas que depois se enredou todo e insistiu: “Onde quer que haja grande atividade, no cérebro, há um acúmulo de matéria cinzenta. Isto produz naturalmente protu- berâncias no crânio.

Há, assim, uma bossa para cada faculdade, e tateando as bossas, podemos ler o caráter e os talentos.”

Para muitos, isto era a Bíblia no tempo de Broca. Broca, porém, não aceitava a Bíblia de ninguém: nem a dos cientistas nem a dos antigos hebreus. A toda esta algaravia frenológica ele se limitou a dizer polidamente: “Sim?” Lá no seu laboratório, porém: “Acho que tudo é completamente diferente do que eles dizem. As bossas do crânio nada mais indicam do que irregularidades na espessura do osso. Toda essa especulação em torno de bossas que indicam faculdades mentais é pura fantasia, e disto é que estamos procurando fugir. Tudo o que conhecemos de fato, tudo o que descobrimos por métodos puramente científicos (que é apenas o que importa) é que há vários centros de linguagem. Mas, se descobrimos tanto, por que não prosseguir? Não haverá, porventura, centros para outras faculdades? E será acaso impossível localizá-los? Tateando bossas 110 crânio, não, porque o córtex cerebral não se comporta dêsse modo; mas, sim, acompanhando o rasto de anormalidades mentais até suas fontes, no cérebro. Há, sabemo-lo, zonas definidas e circunscritas do cérebro onde as fibras nervosas dos vários sentidos se encontram: um centro da audição, da visão, do tato, do gôsto, do olfato e agora da linguagem.

“Falar: eis uma das faculdades superiores. Portanto, o fato de encontrarmos um centro da linguagem significa, provavelmente, que as outras faculdades superiores têm, semelhantemente, os seus centros. Não nos é lícito, por conseguinte, alimentar a esperança de localizar os centros da memória, conhecimento, julgamento, até alcançarmos os supremos atributos do homem: o senso moral e a razão?

“Penso que podemos; mas não eu, não nos meus dias. Se todas as faculdades cerebrais fossem tão distintas, tão nitidamente definidas como esta da linguagem, não haveria dificuldade em localizá-las no cérebro. Infelizmente, não é assim.”

Mas, claro, isto não o impediu de experimentar — nem mesmo por um minuto. Começou imediatamente a tentar a localização destas faculdades superiores como se fosse viver, pelo menos, vários centenas de anos.

Mesmo hoje, não chegamos ao fim do caminho em que Broca cravou o seu marco com o letreiro: “Caminho para o Espírito!” Mas ja andamos muito. Descobrimos muitas coisas sobre estas nossas faculdades superiores e sua dependência do cérebro. E em grande parte as descobrimos seguindo essa primeira e larga trilha que ele marcou: a linguagem."

NOVAS INFORMAÇÕES
Num hospital de Paris, sôbre uma mesa de operações, está uma mulher de nome Annette Berthier.

A Sra. Berthier é casada, mãe de três filhos. Ültimamente, têm-lhe acontecido coisas estranhas. Ela, que sempre foi uma espôsa tão boa, uma mãe tão amorável, ficou geniosa e mesmo mal-encarada: tem freqüentes olhares de esguelha e, uma vez, brandiu ameaçadoramente uma faca.

Frequen­temente fala com incoerência, tateia as palavras, diz fra­ses sem sentido. E se esquece de tantas coisas: não só de acontecimentos recentes como também dos nomes das coisas mais comuns e de seus filhos.

E finalmente, convencido de que ela está louca, temendo que ela lhe seja levada e internada em algum terrível sa­natório, seu marido leva-a ao médico da família — e ei-la aqui, algumas semanas mais tarde, sôbre a mesa de opera­ções de um grande cirurgião, o famoso Dr. Vincent, de Paris, discípulo do nosso grande Cushing.

Uma plataforma estende-se sôbre tôda a mesa de ope­ração, algumas polegadas acima do corpo da Sra. Berthier. É para os instrumentos cirúrgicos. Cobre quase tôda a ex­tensão do corpo. Apenas a cabeça está exposta.

A cabeça foi raspada a navalha. Está firmemente apoiada numa almofada de areia, de sorte que não cederá à pressão mais pesada do trépano perfurando o osso. Na abóbada cra­niana, de um branco sem brilho, o Dr. Vincent traçou um retângulo.

O Dr. Vincent, de aspecto estranho como um homem de Marte, todo de branco — barrete branco, uma máscara de gaze branca que lhe deixa de fora apenas os grandes ócu­los, uma lâmpada frontal ajustada em tôrno da testa como a lanterna de um mineiro, punhos de malha e um pouco de gaze introduzidos frouxamente em tôrno dos pulsos, por baixo das luvas de borracha, para impedir que seja cortada a circulação do sangue para as mãos — o Dr. Vincent es­tá pronto.

As mãos enluvadas do anestesista descem sôbre a cabeça raspada. A Sra. Berthier agarra os varões metálicos da pla­taforma. “Não, doutor!...”
A agulha do anestesista penetra na carne, o êmbolo desce lentamente. Vinte vezes à volta daquele retângulo a agulha desce, espeta, verte sua droga que extingue a dor.

Agora, empilham-se e cingem-se compressas em tôrno da cabeça depilada. Cabos ligam várias partes do corpo a ins­trumentos que registram a respiração, a pressão sanguí­nea, etc.

Estão prontos para abrir uma janela no cérebro. O couro é cortado, puxado para trás. O Dr. Vincent apanha o tré­pano elétrico que um assistente lhe apresenta. Segurando-o fortemente contra o crânio exposto, suas mãos têm o mo­vimento vibratório das mãos de um operário que bate um rebite de aço.

Um assistente injeta uma solução fisiológica morna, sem cessar, nas incisões. E assim, seis vezes — seis buracos em redor do retângulo.

Deslizando a serra de aço de buraco a buraco, ele serra completamente o osso até que o retângulo fica quase livre do resto do crânio, prêso apenas por uma pequena dobra­diça de músculo e pele para alimentar a tampa óssea du­rante a operação. A janela está aberta.

Agora vem a parte cansativa. Os vasos sangüíneos, agru­pados na superfície do cérebro, devem ser, um após outro, cuidadosamente separados, delicadamente suspensos e ata­dos de um lado. Enrolados em gaze, eles formam uma trou­xa dentro do crânio.

E agora ele a vê; a coisa que sabia estar ali, que devia estar ali, naquele lugar exato. Ali, na terceira circunvo­lução frontal esquerda está ela, um rebento mórbido, ex­pandindo-se, fazendo pressão, dentro dos limites de osso do crânio, sôbre o tecido elástico do cérebro, desorganizando de todo o seu funcionamento incalcu-lavelmente sutil.

Agora os assistentes se agitam. Seus diferentes instru­mentos penetram a branda substância do cérebro, erguendo, cortando, cauterizando, estancando o sangue; suas mãos fixam pequeninas pinças de arame de prata, manejam bis­turis, tesouras, cautérios elétricos. Um depois do outro, ou vários ao mesmo tempo, eles manipulam o tecido do cé­rebro.

Perdeu-se muito sangue: um litro e três quartos. Uma doadora de sangue senta-se ao lado da mesa de operação. O sangue passa dela para a paciente: meio litro, três quar­tos de litro, um litro. O resto é completado com injeções de sôro.

Durante todo êste espaço de tempo, a Sra. Berthier está perfeitamente consciente. Seu cérebro continua pensando. Que pensará ele do que lhe está acontecendo?.

Pronto. Resta apenas devolver à sua posição a janela de osso prêsa pela dobradiça de músculos, a coberta de couro, e costurar tudo.
Começaram a operação, às nove horas da manhã. São agora cinco horas da tarde — oito horas. Annette Berthier conservou a consciência durante todos os momentos dêsse período, e sob as mãos do cirurgião se operou uma mudança na qualidade dessa consciência. Ela nunca mais lançará os olhares esguelhados da mentalidade desequilibrada, nun­ca mais se esquecerá das palavras nem as empregará erra­damente, nunca mais se enraivecerá. A mudança é quase instantânea. Logo que o Dr. Vincent tira a máscara, os olhos dela se fixam no seu rosto. Ele se aproxima e pára ao lado dela. A Sra. Berthier toma-lhe a mão.
            Doutor — murmura. — Bom doutor, obrigada. Obriga­da pelos meus pequenos.

Naquelas oito horas, ela retornou do que parecia uma psicose para a sanidade mental completa.

E durante êsse tempo, o Dr. Vincent, sem alimentação, sem descanso, sem parar de operar, envelheceu, transito­riamente, dez anos. Seu rosto está macilento; seus olhos, mortiços; sua bôca, frouxa. Sua barba cresceu um pouco. Seus assistentes, todos eles foram substituídos, mas ele nem mesmo fêz uma pausa.

Sua recompensa é aquela expressão com que o olhar da Sra. Berthier o segue até a porta.

Penetrou-se num cérebro para corrigir algo que estava mal no espírito. A isto nos levaram finalmente as pesquisas de Broca. Com isto, também, ele sonhou.

Uma operação assim era impossível em seu tempo: antes de Morton e Long com seus anestésicos, antes de Lister com seus antissépticos, antes do próprio Broca com suas provas de que as lesões cerebrais "gToaTizêm anormalidades mentais. Hoje, operações no cérebro, como essa. e outras muito mais complicadas e perigosas, são lugar-comum.

Entretanto, mesmo em 1874 — vinte e oito anos depois de Morton, uma década depois de Lister — um dos maiores cirurgiões de seu tempo, Sir John Erickson, disse: “As par­tes do arcabouço humano que continuarão sempre sagradas são o abdômen, o tórax e o cérebro, os quais se conser­varão sempre cerrados à intromissão do cirurgião sensato e humano.”

No tempo de Broca (e às vezes hoje), eram considerados dementes, homens que não eram mais loucos do que vocês ou do que eu. E morriam, sempre dementes segundo os mé­dicos, porque a indiscutível relação entre o cérebro e o es­pírito ainda não fôra estabelecida. Mesmo hoje, quando a ciência médica já não discute esta conexão, o diagnóstico às vezes erra, e um hoiners} pu uma mulher com uma lesão qualquer no cérebro são declarados dementes incuráveis quando uma operação, como a que acabamos de assistir, lhes teria restituído a sanidade mental completa.

Neste ponto, talvez não seja mal lembrado dar uma idéia de como é de fato este nosso tão falado cérebro.

Vocês têm uma idéia geral. Já viram miolos de vitela. Sôbre a massa de substância branca que constitui a parte maior do cérebro, fica uma branda camada cinzenta (o córtex cerebral) com uma espessura de um duodécimo a um oitavo de polegada. Nesta matéria cinzenta está im­plantado um número incalculável de minúsculas células de todos os tamanhos e feitios, intrincadamente ligadas por fibras nervosas. Ela está dobrada e redobrada sôbre si mesma, tal como se pode dobrar veludo cinzento, sendo as dobras principais os lobos, e as dobras menores as cir­cunvoluções.

Exatamente aqui, topamos com outro exemplo do alcance das pesquisas de Broca. No seu tempo, os cientistas mais avançados, que escarneciam dos frenologistas, consideravam, não obstante, estas dobras do cérebro, sem significação. Elas eram pregas puramente acidentais em que o cérebro caíra — como as pregas do vestido de uma dama. O fato de raramente mudarem de forma e serem análogas em to­dos os cérebros humanos devia ter advertido os cientistas de que nada havia nelas de acidental.

Broca foi o primeiro a anunciar a natureza destas do­bras. Disse que não tinha a menor importância a distância que uma lesão podia apresentar de certo ponto fixo do cé­rebro (os pesquisadores de seu tempo estavam sempre a medir minuciosamente quantos centímetros esta ou aquela lesão distava da cisura de Rolando ou da cisura de Sylvius ou da grande cisura longitudinal); o que importava era a dobra onde a lesão estava localizada; e isto porque, sus­tentava ele, cada circunvolução era a sede de certa facul­dade. As cisuras e as linhas em torno das quais eles faziam tanto barulho eram, simplesmente, limites arbitrários de seus próprios desenhos, declarava Broca. São as dobras que têm importância.

O encéfalo, composto de uma parte anterior, principal { (o cérebro), e de uma parte posterior, pequena (o cerebelo)} está alojado no crânio, mas as suas ramificações, o sistema nervoso, estendem-se a todas as partes do corpo. Este sis­tema nervoso é o nosso único meio de contato com o mundo exterior e com o mundo interior de nossos corpos.

Mas êste sistema nervoso central faz muito mais do que nos engatar com êstes dois mundos. Faz o que, estou certa, concordarão em considerar a coisa mais importante que ocorre em todo o universo: permite-lhe saber que você é você, que está vivo, e que está aqui. Liga todas as suas di­ferentes partes e faz de você uma unidade.

Você é construído de bilhões de células, sendo cada uma delas uma entidade completa de per si, tal como uma ameba. Cada célula vive a sua própria vida: alimenta-se, respira, e executa as suas múltiplas atividades individualmente.

Entretanto, todas elas, desde os dias da esponja, renuncia­ram aos seus direitos individuais pelo bem do conjunto. Todos êstes bilhões de vidas distintas que vivem em você (as quais podem efetivamente continuar a viver se forem separadas da sua pessoa) são integrados pelo sistema ner­voso. No cérebro, onde a integração toca o seu vértice, está sediada a mente, que nos faz conhecer esta unidade, de sorte que nós nos sentimos uma entidade, um Eu.

Mas prossigamos com a exploração dêste nosso espírito tão altamente prezado — o qual, cada vez mais, à medida que avançamos, mostra ser uma função do cérebro.

Seguindo Broca, como Pizarro, Balboa e Cortez seguiram Colombo, outros exploradores do espírito puseram-se em marcha, médicos, cirurgiões e pesquisadores de laboratório. Descobriram e cartografaram numerosas zonas do cérebro, não relacionadas com “bossas” do crânio como havia anun­ciado aquela casta de cientistas dantes respeitados e hon­rados, os frenologistas; mas zonas nas circunvoluções da matéria cinzenta, cada uma das quais tinha uma função especial.

Houve tantos “pela-primeira-vez” nesta comovente aven­turando descobrimento do espírito!

Foi péla primeira vez, em 1870, não mais, que se apli­cou o estimuio elétrico, a certas'partes do cérebro de um cão, verificando-se que aplicado a uma zona, êste estímulo elétrico mexia com uma perna; aplicado a outra, com um olho; a outra, com uma orelha — com a perna, o olho, a orelha esquerdos ou direitos, conforme o escolhesse o ex­perimentador.

Depois, foi pela primeira vez que se empregou o método de extirpação, descobrindo-se que a remoção de uma dada parte, do cérebro destruía um dado sênlãaò ou função.

E pela primeira vez os cérebros de animais. vivos (cães, novamente) foram estudados pelas hábeis experiências de Pavlov, e o ‘^reflexo condicionado” foi lançado como um novo método para o estudo da mecânica do cérebro.

Mas o método mais fecundo de todos continuou a ser o processo adotado por Broca, o de estabelecer a correlação éntre distúrbios mentais e lesões físicas, e, particularmente, distúrbios da linguagem. A partir daquele ma em que ele disse rSe eu puder descobrir de onde vem a palavra...” o cérebro tem revelado os seus segredos de um milhão de anos, não aos filósofos e aos metafísicos, nem mesmo aos psicólogos em primeiro lugar, mas aos médicos e cirurgiões. E, com êstes novos métodos anatômicos e fisiológicos, que descobriram eles acêrca do espírito? Consideremos mais alguns casos de distúrbios da linguagem.

Alguns anos atrás, um homem foi ter às mãos de um mé­dico do Roosevelt Hospital, o eminente Dr. W. Hanna Thomson. Um caso estranho, o de Ogilvey (chamá-lo-emos assim). Não podia dizer uma só palavra, o que não era por si só tão estranho: Thomson tivera muitos casos seme­lhantes. Mas, desta vez, ele tinha uma teoria, e, o que é melhor, pensava ter meio de cura.

O Dr. Thomson receitou iodureto de potássio a Ogilvey, disse-lhe como tomá-lo, pedindo-lhe que voltasse após duas semanas.
Daí a duas semanas Ogilvey voltou — radiante.
            Olhe — disse ele, gaguejou e ficou a esforçar-se por prosseguir. — Posso.. . falar... trabalhar! — pôde finalmen­te articular. E ficou mais radiante.
            Ótimo! — disse Thomson, exultando também. — É jus­tamente o que eu esperava. Agora o senhor continua to­mando êsse iodureto de potássio, tantos grãos, tantas vê- zes por dia, e volte de novo daqui a... a uma semana. Dirá então mais algumas palavras.. . vai ver.

Daí a uma semana Ogilvey estava de volta — com mais palavras.
            Posso falar — disse mais radiante do que nunca. — Posso dizer... —Aqui, começou a gaguejar. — Sinto... que o senhor está me ajudando... estamos fazendo...—Mas quando tentou prosseguir, as palavras não vieram.

O Dr. Thomson, entretanto, continuava indisfarçàvelmente satisfeito. Bateu nas costas de Ogilvey. Continue com o iodureto de potássio. Mais palavras virão. Volte daqui a uma semana. E, assim, as coisas continuaram. Cada se­mana, Ogilvey voltava com mais palavras.

Mas, que tinha o iodureto de potássio com isso?... O Dr. Thomson diagnosticara uma goma sifilítica, uma es­pécie de tumor nas zonas da linguagem de Ogilvey: a ter­ceira circunvolução frontal esquerda. O iodureto de potássio, como é de sua natureza, era atraído por êste tumor, cau­sando a sua absorção gradual e libertando, assim, os me­canismos da linguagem.

Estão notando como, quanto mais estudamos esta faculdade da linguagem, tanto mais clara­mente ela mostra a dependência do espírito ao cérebro e a maneira como o espírito funciona?

Mas, se um caso como êste de Ogilvey nos parece sur­preendente, que dizermos das descobertas posteriores com relação à natureza do espírito, feitas pelos médicos que, seguindo as pegadas de Broca, investigaram casos ainda mais curiosos de perda da linguagem?

Era curioso. Sim, pensando bem, era extraordinário. To­dos êstes casos de distúrbios da linguagem ocorriam com pessoas que eram feridas, ou que apresentavam uma doença no lobo frontal esquerdo. Sim, isto era uma coisa estranha. Efetivamente, raciocinavam os doutores, devem ferir-se tan­tas pessoas do lado direito da cabeça quantas se ferem do lado esquerdo. Portanto, por quê?.. . Por que não havia um número igual de casos de pessoas que ficassem mudas ou surdas quanto à linguagem falada, ou cegas quanto à linguagem escrita, em conseqüência de lesões no lado di­reito da cabeça?

Temos dois olhos; ambos funcionam de modo semelhante. Um ôlho pode, em caso de emergência, fazer o trabalho dos dois. Temos dois ouvidos; ambos trabalham de modo se­melhante. Duas narinas; elas trabalham do mesmo modo. Além disso, as sedes anatômicas de todos os sentidos e as dos movimentos musculares estão localizadas em ambos os hemisférios do cérebro. Assim, pois, êstes dois hemisférios idênticos, que funcionam semelhantemente para os senti­dos, devem também funcionar semelhantemente pára a lin­guagem. Sendo assim...

O que tornava tôda a questão realmente singular era que, por vezes — muito raras, justamente as vezes neces­sárias para dar um tom sobrenatural a todo o assunto — lima lesão no hemisféríò direito resultava em perda da fala. De sorte que isso provava, está-se vendo, que os he- fíTTsférios direito e esquerdo, como os olhos direito e es­querdo, eram idênticos em função assim como em anatomia e fisiologia, desde que pudessem funcionar igualmente.

Então, à medida que se observavam novos casos, alguns médicos ousados começaram a fazer uma pergunta perfeitamente fútil.

Numa revista médica, ou numa conferência médica, êstes médicos receberiam informações como esta, de um colega:
“Paralisia parcial com afasia motora... a autópsia reve­lou hemorragia cerebral no lobo frontal direito. Talvez hou­vesse um rabisco apressado, de último minuto: “Êste pa­ciente era canhoto” como se o próprio médico julgasse o detalhe coisa de pequena monta. E assim o julgava, de fato.
Ou: “Caso de afasia auditiva — resultado de acidente — estilhaço no lobo frontal direito.” E novamente a observa­ção despreocupada, quase omitida: “Paciente canhoto.”
Ou: “Caso de afasia visual... tumor no lobo frontal di­reito... paciente canhoto.”
Lesão no lobo frontal direito — afasia — paciente canhoto.


Sempre canhoto. Sempre — quando uma lesão no lado di­reito do cérebro tinha como resultado perda da fala. Mas nunca quando a vítima era destra. Quando era destra, como acontece com a grande maioria das pessoas, a lesão causa­dora da perda da fala era sempre no lado esquerdo do cé­rebro.

Finalmente, estavam preparados para ventilar o que eles sabiam, o que haviam provado, o que seus próprios olhos tinham visto, o que para eles era axiomático. Estavam pre­parados para sustentar que os dois hemisférios do cérebro funcionavam exatamente da mesma maneira.

A coisa ultrapassara a simples coincidência. Tôda a ques­tão começava a perder seu aspecto acidental e a apresentar-se firmemente como uma lei.

Era uma lei.

A lei era esta:
A grande maioria das pessoas são destras. Em todas as pessoas destras, o hemisfério esquerdo do cérebro" está mui­to mais altamente desenvolvido do que o hemisfério direito. Em todas as pessoas canhotas é o hemisfério direito o do- ftiinahte. Os centros da linguagem, a zona de Broca e as outras estão localizados no hemisfério esquerdo das pessoas destras e vice-versa. Os dois hemisférios do cérebro, que apresentam um aspecto idêntico, mesmo ao microscópio, funcionam diferentemente nas pessoas destras e canhotas.

Aonde nos leva isto?

As conclusões mais surpreendentes:
Primeiro: que os centros da linguagem apresentam uma relação muito estreita e definida com a mão. (Poderíamos concluí-lo pela maneira como a linguagem se originou: através da mão).
Segundo: que os centros da linguagem podem estar em qualquer um dos hemisférios, mas nunca estão em ambos. Terceiro: que não se encontram em nenhum dos hemis­férios, por ocasião do nascimento.
Quarto: que, por conseguinte, cada um de nós faz os seus próprios centros da linguagem, e os desenvolve no hemis­fério oposto à mão que mais utiliza.

Nascemos sem a linguagem. Em parte alguma do cére­bro há algo que algum dia nos leve a falar sem instrução. A linguagem tem de ser formada no cérebro. A quantidade e a espécie de pensamento que poderemos realizar durante a nossa vida depende, grandemente, do grau em que possamos desenvolver os nossos centros da linguagem.

Ao nascer, nenhuma palavra. A criança, porém, começa a ouvir palavras, a emitir sons, a agarrar as coisas. Quase sempre, pelo longo hábito da raça, ou pela hereditariedade, ou pela instrução, ou pela imitação, utiliza mais a mão di­reita. Quando está definitivamente determinado qual vai ser a mão mais usada, nesse momento está determinado se os centros da linguagem vão ser no lado direito ou esquerdo do seu cérebro. Qualquer um dos lados pode ser utilizado, qualquer dos lados presta igualmente, pois ambos sãò ana­tòmicamente idênticos, mas na realidade apenas um lado é utilizado para a linguagem. O outro lado, em condições normais, permanece sem linguagem por tôda a vida — sem linguagem em todos os aspectos do têrmo. Sob o aspecto da linguagem falada, porque não há sons lingüísticos na circunvolução temporal superior direita de uma pessoa des­tra; sob o aspecto da linguagem escrita, porque não há imagens de palavras na sua circunvolução angular direita; e sob o aspecto da possibilidade de falar, porque não há mecanismo para a articulação de palavras naquilo que cor­responde à zona de Broca.

Assim, um homem que não é surdo para outros sons, que não é cego para outras coisas, e que ainda pode pro­ferir sons, pode tornar-se surdo, cego e mudo em relação à linguagem se o hemisfério dominante do seu cérebro fôr lesado, mas não se o hemisfério não dominante é que fôr lesado. Ele não perdeu a percepção pelos sentidos, mas ape­nas o conhecimento das palavras, adquirido pela sua edu­cação.

Antes, porém, de sabermos de tudo isto, era muito na­tural — não acham? — supor que nós pensávamos e falá­vamos com todo o nosso cérebro.

Hoje, não! Podemos perder uma metade de nosso cére­bro sem perdermos uma”Ghica idéia. "Ainda assim, pode­mos continuar a ler, a escrever, a falar; podemos continuar a raciocinar, a amar, a odiar, a julgar, a querer, tão bem como anteriormente. Nossa personalidade não se desinte­grará, e tampouco a nossa moral, o nosso intelecto — se conservarmos êsse hemisfério dominante.

As crônicas registram muitos casos em que uma metade do cérebro, um dêsses dois hemisférios perfeitamente idên­ticos, foi removida por uma operação, e o paciente reteve todas as suas faculdades. Mas se o hemisfério dominante, contendo a zona de Broca, fôr completamente destruído, então o indivíduo na verdade decairá intelectual, emocional e moralmente. Nada no homem é mais espantoso do que êste predomínio de um dos dois hemisférios, anatòmicamen­te semelhantes em cada aspecto.
E, entretanto, estamos apenas no comêço das revelações relativas ao espírito, proporcionadas por estas investiga­ções em tôrno dos distúrbios da linguagem.

Tomemos o caso de Mark Brearley. Brearley era um ar­tista. Certo dia, recebeu uma pancada. Quando se restabe­lecera suficientemente para um giro, dirigiu-se, apoiado no braço da espôsa, para o seu atelier, a fim de dar uma olhada no quadro em que estivera trabalhando antes do acidente. Ela afastou o pano que pendia sôbre o cavalete e Brearley mirou a sua pintura, uma paisagem de inverno. Olhou, apertou os olhos com as mãos, tornou a olhar, vol­tou-se para ela, confuso.
            Êsse quadro não é o meu! — disse. — Nunca vi essa coisa antes! Que é isso? Um papel para forrar paredes? Uma garatuja de colegial? Isso não tem sentido.
De repente, rodou para o lugar de onde pendia uma có­pia da “Mona Lisa”.
            Por que tiraste daqui o meu da Vinci?—perguntou.
  E que coisa é essa pendurada no seu lugar? — E em se­guida, em voz mais baixa: — Estarei louco?

Não, ele não estava louco. Podia ainda falar, ler, escrever, compreender a linguagem dos outros, pensar. A coisa es­tranha que acontecera no seu caso era que um coágulo apoplético atacara os centros de reconhecimento do seu cé­rebro, e exatamente essa parte que conhecia a única coisa do mundo que ele precisava conhecer e com a qual se im­portava: a arte. Já não podia reconhecer pinturas — em­bora pudesse vê-las e pudesse reconhecer outros objetos e as pessoas; já não podia distinguir um quadro de outro, o bom do mau, uma tela sua de uma de Miguel Ângelo. Para ele, tudo eram garatujas.

Do mesmo modo, um músico, embora ainda possa ouvir música, poderá, se um coágulo se formar exatamente no ponto devido, perder tôda a cultura e discernimento musi­cais, ou poderá tornar-se cego para as notas em vez de ce­go para as palavras. Um contador pode perder todo o seu conhecimento ou compreensão de números. Um homem de negócios, retendo todas as outras faculdades, conservando- se mesmo capaz de ler e de falar, pode ficar incapacitado mesmo para assinar o seu próprio nome.

Que longa caminhada no conhecimento do espírito fi­zemos, desde que Broca pela primeira vez interrogou o cé­rebro morto de Tan! Alguns chegam mesmo a suspeitar, embora isso esteja longe de ser provado, de que há pra­teleiras independentes, não só para cada língua, como o caso de Handover indicou, como também para notas mu­sicais, para os toques de um pincel, para os números, para cada espécie de objeto e símbolo. Nas zonas visuais, há um lugar que, uma vez lesado, torna'a vítima incapaz de re­conhecer rostos, mesmo os de sua própria família, embora os veja claramente.

Perceber às coisas e conhecê-las não é o mesmo. Perceber é cõSgSBTto. conhecer é adquirido. Podemos, quando crian­ças, perceber as coisas antes de reconhecê-las; e podemos, como Handover, como Brearley, continuar a perceber as coisas muito tempo depois de havermos deixado de as re­conhecer.

Êstes centros cerebrais do conhecimento estão, como Bro­ca suspeitava, bem na vizinhança dos centros da linguagem —• e estão apenas em um único hemisfério. As faculdades que se combinam com a linguagem para produzir o pensa­mento puro estão, todas elas, localizadas nessa metade edu­cada de nossos cérebros.

Ambos os hemisférios são idênticos por ocasião do nasci­mento. Ambos são igualmente impressionáveis e educáveis. Para um deles, trabalhamos para melhorar. O outro conti­nua, por tôda a vida, sem educação, e subordinado. Am­bos os hemisférios do cérebro percebem. Apenas um co­nhece, fala, pensa. Essa capacidade de conhecer vai-se de­positando em nossos cérebros inteiramente por nossos pró­prios esforços, sobretudo nossos esforços para depositar palavras. Tudo isso, a obra de uma vida inteira, pode ser apagado num efêmero segundo por uma hemorragia no lobo dominante.

Na educação que o homem tão penosamente dá a um he­misfério do seu cérebro (por que razão há um só, eis o que não sabemos, a não ser que se trate da incorrigível pre­guiça da criatura) repousa tôda a diferença entre o ho­mem e o macaco — entre um e outro homem.

Hoje, temos o que Broca imaginou que teríamos algum dia e que nos invejou: excelentes mapas do cérebro in­dicando o local de suas várias funções motoras e sensoriais, e localizando-as tão exatamente que o cirurgião do cérebro, aplicando um estímulo elétrico a zonas sucessivas, pode mover um dedo, um músculo, de cada vez, exatamente co­mo se estivesse puxando os cordéis de um fantoche. Os problemas das funções dos lobos frontais, essas grandes zo­nas silenciosas em que não se encontra nenhum dos centros das funções motoras e sensoriais inferiores, ainda não foram resolvidos, mas geralmente se acredita que eles sejam a sede das faculdades superiores, da memória, razão, discer­nimento, consciência.

Nestas grandes zonas de associação (vejam o desenho de Shakespeare) se realiza essa síntese de todas as atividades do cérebro que resulta em pensa­mento e ação.

Não poderia haver verdadeira ciência da psiquiatria en­quanto êste arroteamento básico do cérebro não tivesse sido realizado. A psiquiatria não pretènde estudar uma alma in­dependente do corpo. Ela estuda o espírito como a uma ma­nifestação da matéria." ' 1      """"

Ela declara, como sua premissa maior, que não'há duas coisas, corpo e espírito, mas apenas uma coisa, o corpo-es- pírito; e que não se pode considerar essa coisa única, de duas maneiras: como um espírito sem um corpo e como um éorpo sem uni espírito. Os dois são tão inseparáveis que é impossível dizer onde térmína o corpo e onde começa o espírito.

Assim, pode-se compreender que a psiquiatria, que se fundamenta na unidade do corpo e do espírito, não poderia de modo algum ter sido iniciada enquanto Bell, Darwin, Huxley e, sôbre todos eles, Broca, não houvessem realizado o seu trabalho. as principais questões da psiquiatria — o que e o espírito, como opera, como adoece, como pode ser curado, como se pode evitar que adoeça — não poderiam õfé modo“algum ser resolvidas enquanto não começássemos a considerá-las no corpo-espírito.
Tivemos de reconhecer que a cura de espíritos doentes não é uma questão de ética e nem mesmo de psicologia, senão,  primariamente, uma questão de medicina.

Tivemos de reconhecer que precisávamos de uma nova ciência, de uma fisiologia-psicologia, para nos ocuparmos com êste corpo-espírito. E essa nova ciência, quando apa­receu, foi a psiquiatria.

Assim, como já haviam sido berço da cirurgia, os cam­pos de batalha foram o berço da psiquiatria. Assim como as guerras, com seus corpos mutilados, deram à cirurgia ás suas grandes oportunidades, assim as guerras, com seus es­píritos mutilados, deram à psiquiatria as suas grandes opor­tunidades.

Vamos visitar um hospital, atrás das linhas, em 1914.


 OS FINALMENTE
Reafirmo, o que falta é o conhecimento concreto do tema buscando evitar a criação de #pseudosmistérios e falsos temores deflagrando um duelo de “tiros no escuro”, com a emoção sobrepondo-se à objetividade. Duelo também voltado para atender mais a interesses corporativistas do que a interesses clínicos.

Protocolos científicos merecedores de crédito, quando os há, são escassos, limitados, e não são levados à sério. Em compensação abundam palpites e #achismos. Neste contexto pouco adiantam os encontros que priorizam um domínio maior da questão, pois os participantes já ingressam no debate com cartas marcadas e raramente escutam os argumentos discordantes.

GREVE NA ESCOLA BAHIANA DE MEDICINA E SAÚDE PÚBLICA
Pela primeira vez, no dia 29.11.2004, os alunos da Escola Bahiana de Medicina entraram em greve contra o aumento das mensalidades que, na época, consideravam abusivo. Convém lembrar que desde sua inauguração, e até hoje (2015), as mensalidades cobradas pela Bahiana sempre foram as menores entre as Escolas de Medicina de Salvador e a segunda ou terceira mais barata das Escolas de Medicina de todo o Brasil. Dessa data em diante houve outras greves. Numa delas, não me recordo o ano, os alunos penduraram um banner na porta da Escola, na sede de Nazaré, com uma inscrição que dizia mais ou menos assim: “Esta é uma escola de Psicologia, disfarçada em Escola de Medicina.”


O POR QUÊ DO DESCONTENTAMENTO
Mas por que e a quem se destinava a crítica? A observação irônica alfinetava a nova postura dos dirigentes da Bahiana (a diretora Maria Luiza, à frente) de reorientar o curso de graduação para propiciar o aprendizado de uma formação médica mais humanizada. De início, contratou-se dois psicólogos (Mônica Daltro e Antônio Carlos) que “aterrissaram sem paraquedas”[17] no Curso de Psicologia Médica, do qual eu era o professor responsável - e foram gentilmente cooptados por mim, atendendo ao pedido do Professor Norival Sampaio titular do Departamento de Psiquiatria. Ao mesmo tempo, criou-se as disciplinas de Psicologia Médica 1 (primeiro ano), Psicologia Médica 2 (segundo ano) e Psicologia Médica 3 (terceiro ano).

Aparentemente, o desapreço manifestado por alunos da graduação e alguns professores de medicina ao aprendizado dos saberes ditos psicológicos - nada a ver com a profissão de psicólogo – foi atribuído não somente ao desperdício de tempo de graduação do aluno, mas, principalmente, a convicção de que a prioridade de uma Escola de Medicina é o ensino da Medicina.

OS ARGUMENTOS DITOS PELOS ALUNOS
Nas palavras dos alunos “é muita psicologia para uma Escola de Medicina”. Pior, argumentavam, “é que ocupa impropriamente uma parte significativa do tempo curricular, cronicamente escasso, disponibilizando-o para o aprendizado de saberes psicológicos numa escola que deveria priorizar o ensino da teoria e da prática médicas.” Apoio a prioridade, mas não confundo prioridade com exclusividade pois a Medicina não pode se dar ao luxo de rejeitar qualquer conhecimento de outro ramo da ciência – que seja capaz de ajudar o médico a promover melhor a saúde das pessoas.

Posteriormente, diretoria e docentes acordaram com uma mudança estratégica dos nomes das disciplinas mantendo, no entanto, o mesmo objetivo de priorizar o aprendizado de uma prática médica mais humanizada. Naquele momento, nasceu a disciplina “Semiologia Mental” que veio substituir a Psicologia Médica3, ministrada no sexto semestre da graduação.

QUEM ESTÁ COM A RAZÃO?
Até hoje, os litigantes creem que estão certos porque acham que estão certos, postura que me faz lembrar a publicidade recente (2014) da cerveja Schin. “Por que a cerveja? Por que sim”! Agindo dessa forma, os contendores acabam por dificultar a percepção objetiva das nuances do problema e, por isso, muitas vezes assumem atitudes fanáticas e irracionais.

EM BUSCA DA ESSÊNCIA DO ANTAGONISMO
E aqui cabe uma pergunta: admitindo-se que há uma solução para o antagonismo – e, particularmente, acredito que há – como se poderia alcançá-la?

De início, sou a favor de um debate investigativo que elimine das discussões os absurdos teóricos e as práticas obscurantistas não validadas pela verificação científica[18]; e, simultaneamente, defendo que se aprofunde os estudos dos argumentos contraditórios, buscando reduzi-los a uma questão-raiz que propicie o surgimento de pontos simples e claros suficientemente viáveis para conduzir a soluções clínicas mais consistentes.

O Estudo de sinais de enfermidades encontrados nos fósseis, múmias e outros objetos arqueológicos são conhecidos por Paleopatologia. O conhecimento obtido por estes estudos até o momento é bastante fragmentado, porém nos permite chegar a conclusões importantes. As lesões ósseas são as mais claramente expostas na peleopatologia: Exostoses, sinais de artrites, traumas, tumores a malformações congênitas podem ser observados em fosseis do homem que viveu no paleolítico. As múmias egípcias com cerca de 4.000 anos são as fontes mais ricas para estes estudos. Estão bem documentados lesões como tuberculose óssea (mal de Pott), mastoidites, doença de Paget dos ossos e pé torto congênito. Nas partes moles e vísceras tem sido possível identificar arteriosclerose, pneumonia, pleurites, cálculos renais, biliares, além de apendicites e lesões cutâneas semelhantes as da varíola e esquistossomose. Podemos inferir que as principais formas de enfermidades, não cada doença em particular, têm sido no geral as mesmas ao longo de milhões de anos.

Ao que tudo indica, a medicina, palavra derivada do latim mederi, que significa: curar, cuidar, medicar, intervir no corpo e na mente das pessoas – ou, resumindo, toda forma clínica de cuidar do outro - existe desde que a espécie humana surgiu na terra. Afirma-se que desde a origem, há cerca de um milhão de anos, o homo sapiens sempre se preocupou com a saúde, a doença, a morte e a cura de suas moléstias.

MENTE E ENFERMIDADES
O que ocorre na “cabeça” pode ter impacto nas etiologia e desenvolvimento das doenças? Não me refiro aos mal-estares transitórios do tipo: dor de estômago, antes de um entrevista para emprego, dor de cabeça antes de uma relação sexual indesejável ou perda involuntária de urina, antes de um exame estressor, mas a patologias que põem em risco a própria vida, tais como: cardiopatias graves, infecções severas, síndromes crônicas debilitantes – artrite reumatoide, asma brônquica, diabetes, etc. (DARIAN LEADER e DAVID CORFIELD)





Através de todas as especulações com relação à natureza do homem, encontra-se a convicção de que este é formado por duas coi­sas, um Corpo e um Espírito (ou Alma), e que estas duas coisas não são em absoluto, inseparáveis. Pelo contrário, tem-se sustentado que são altamente separáveis. A alma poderia, afirma-se, separar-se do corpo na morte e continuar uma existência independente.

Apegando-se a este ponto de vista, mesmo os homens de inteligência mais profunda foram impedidos de -procurar no corpo, com afinco, a origem do espírito. Mas outras coisas também os impediram. A ciência não havia avançado até este ponto


(AGUARDE A PARTE DOIS)






[1]  Refere-se  investigação teórica do ser; no heideggerianismo, abstração relativa ao ser em si mesmo, em sua dimensão ampla e fundamental, em oposição ao ôntico, que se refere aos entes múltiplos e concretos da realidade.
[2] No Brasil publicado pela EDITORA CATA VENTO, 1ª EDIÇÃO 1945, 311 PÁGINAS,  FORMATO 14x21 cm.  
[3] Forma de pensamento comum a certos sistemas filosóficos e crenças religiosas que atribui ao ser humano uma posição de centralidade em relação a todo o universo, seja como um eixo ou núcleo em torno do qual estão situadas espacialmente todas as coisas (cosmologia aristotélica e cristã medieval), seja como uma finalidade última, um télos que atrai para si todo o movimento da realidade (teleologia hegeliana).

[4] Dizem os religiosos que a alma é uma entidade imaterial, invisível, imortal, consciente de si, que sobrevive ao corpo. A palavra hebraica néfesh, traduzida por “alma”, significa ‘criatura que respira e também #soprodedeus, com o qual ele deu vida ao homem, originalmente feito de barro. O espírito só pode morrer se deus mata-lo, como castigo aplicado ao homem desobediente.  Acredito que o conceito de alma surgiu quando o homem primitivo testemunhou a morte de seu próximo e acreditou que “o último suspiro”, antes da parada respiratória, era a prova da alma abandonando o corpo É até possível que alguém tenha enxergado a alma deixando o corpo... Já a palavra espírito vem do grego “pneuma” (ar) conceito criado por químicos e fisiologistas. Parece que também tem parentesco com o “spirit”, cheiro invisível e característico que emana das bebidas destiladas.
[5] Substantivo masculino: 1. Tendência para tentar fazer com que prevaleça o ponto de vista da psicologia sobre o de outra ciência qualquer, numa questão comum. Termo ou conceito da psicologia, especialmente quando é usado num contexto não técnico.

[6] Citado por Cláudia Castro de Andrade na Dissertação de Mestrado intitulada NEUROEPISTEMOLÓGICOS SOBRE A RELAÇÃO MENTE E CÉREBRO, Universtdade Federal do Rio de Janeiro em 2014.

[7] Relativo a episteme (conhecimento ou saber como um tipo de experiência); puramente intelectual ou cognitivo; subjetivo.

[8] Citado pelo filósofo Paulo Ghiraldelli de [1] Rorty, R. A filosofia e o espelho da natureza. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 1995.
[9]Os faraós eram os governantes das cidades egípcias. Poderosos e ricos, eles acreditavam que tinham mais direito à vida após a morte que as outras pessoas, por isso, o coração de suas múmias eram preservados. As pessoas com menos poder e menos dinheiro eram mumificadas sem o coração. Então, teria menos virtudes que os faraós na nova vida de morto.Roberta Marques in A Tardinha, Salvador, Bahia, 17 de maio de 2014.
[10] O coração é uma excelente bomba de sucção e ejeção; acolhe, de todo o corpo, o sangue venoso (sem oxigênio) e o envia para os pulmões – pequena circulação. A seguir, recebe desses pulmões o sangue arterial (oxigenado) e o distribui para todo o corpo – grande circulação. Entretanto, o coração não é capaz de perceber, de pensar, de sentir e de agir conscientemente. Acredita-se, por enquanto, que o único órgão do corpo que faz isso é o cérebro. Por isso, quando afirma-se: Fiz o que o meu coração mandou! Cuide de meu coração! Meu coração olha por você! O meu coração é seu! Dentro do meu coração tem um lugar reservado para você! Você partiu o meu coração! O meu coração cabe mais um! Quem beija o filho adoça o coração da mãe!, etc.,  se está utilizando metáforas em profusão. Enfim, quando se fala de ter o coração partido, ter o coração na boca e sentir o coração parar, se se quiser ser mais justo e mais verdadeiro, substitua-se a palavra CORAÇÃO pela palavra CÉREBRO, pois, o coração, a bomba maravilhosa de nosso corpo, nada tem a ver com as questões citadas.
[11] O Gabinete do Doutor Caligari) é um filme alemão expressionista e mudo de 1920, dos gêneros terror e suspensedirigido por Robert Wiene. Extremamente influente no meio cinematográfico, compõe uma metáfora do olhar deformado com ruas estreitas e entrecortadas, telhados góticos e cubistas e prédios e objetos deformados, resultando em uma das obras-primas das primeiras décadas do cinema e uma das mais importantes referências estéticas até hoje.

[12] Partenon é o nome de um templo, erguido no século V a.C. na Acrópolis, uma montanha localizada no centro da cidade de Atenas, em homenagem a Atenas, deusa grega da sabedoria e das artes. Os romanos a chamavam de Minerva.
[13] Zaccharias Janssen, holandês, fabricante de óculos.
[14] “Os limites da minha linguagem são os limites de meu mundo.” WITTGENSTEIN
[15] John Milton (1608-1674), representante do classicismo inglês e autor do célebre livro O Paraíso Perdido, um dos mais importantes poemas épicos da literatura Universal. Foi político, dramaturgo e estudioso de Religião.
[16] William Shakespeare, inglês, é considerado o mais importante dramaturgo e escritor de todos os tempos. 

[17] Verve de Mônica Daltro
[18] “Na medicina, o inhame é indicado para purificar o sangue e fortalecer o corpo; no candomblé, é usado com o objetivo religioso de purificar a alma.”  Maria Stela de Azevedo Santos
[19] O processo de peer review (revisão paritária) consiste em submeter o artigo a uma comissão revisora, geralmente composta de três pesquisadores que devem opinar pela aceitação integral do paper proposto, ou pela aceitação mediante alterações, ou pela simples rejeição do artigo. 
[20] Dr. José Abelardo Garcia de Meneses 
[21] “Mulheres, homens e crianças provavelmente foram devorados por Neanderthals”, afirma Marylène Patou-Mathis, pesquisadora do Centro Nacional de Pesquisa Científica (CNRS), na França, e especialista em pré-história.

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