sexta-feira, 29 de julho de 2011

IATROPATOGENIA - A comunicação mal sucedida entre médico e paciente.- ATUALIZAÇÃO

IATROPATOGENIA - A comunicação mal sucedida entre médico e paciente

José Pinto de Queiroz Filho[1].

Talvez a história da Medicina registre no futuro - se conseguir conservar seu humor fino - que uma das notáveis inovações médicas do século XX foi a redescoberta... do doente”. Abram Eksterman

Introdução

Um dos primados sacrais da Medicina é a frase latina primum no nocere – com o significado de: "Antes de tudo, não prejudicar". Isto é, se não se é capaz de fazer o bem, não se faça o mal.

Maleficências da prática médica

O médico pode causar mal ao paciente por imprudência, negligência, imperícia, e, acrescento: pela incompetência para se comunicar porque as palavras (podem ser) “... mais cortantes que o mais afiado bisturi ou mais analgésicas do que o mais potente entorpecente, resultando na adesão ou exclusão do paciente a um compromisso terapêutico”. [2], podendo gerar o chamado erro médico, intencional ou não. Desta forma, ele pode se tornar maleficente (fazer mal ao doente) praticando a chamada iatropatogenia (doença criada pelo próprio médico) gerada pela incompetência para se comunicar de forma bem sucedida.

Comunicação e empatia

Ser empático é ver o mundo com os olhos do outro e não ver o nosso mundo refletido nos olhos dele.” [3] A incapacidade para se comunicar de forma bem sucedida é, em última instância, consequência da falta de habilidade para empatizar – ou seja, para ver, ouvir, sentir e compreender os significados das mensagens enviadas pelo doente. Sem empatia, o médico fica impossibilitado de se mover com destreza no labirinto das interações e de suas pistas escorregadias, curvas traiçoeiras e becos sem saída incapacitando-se, assim, para reduzir o sofrimento, a angústia e o medo vivido pelo indivíduo adoecido.

Comunicação Iatropatogênica - Desqualificando a comunicação

A comunicação é desqualificada quando o médico (ou o paciente) se comunica invalidando a própria comunicação ou a do outro -, procedimento habitual, como veremos a seguir, nas interações clínicas entre médico e paciente.

Estudando as desqualificações comunicativas

De forma competente, Carmita Helena Najjar Abdo, livre-docente e professora do Departamento de Psiquiatria da Faculdade de Medicina da USP, buscou identificar as formas de comunicação iatropatogênica acompanhando e anotando durante oito anos (de 1982 a 1990) as entrevistas colhidas pelos residentes de Psiquiatria da Faculdade de Medicina da USP. De posse dos resultados, procedeu a análise dos dados embasada no referencial teórico da Teoria da Comunicação Pragmática Humana. O trabalho converteu-se em tese de doutorado.[8]

Estudando a seqüência dinâmica das trocas de mensagens entre médico e paciente, pode observar a qualificação-desqualificação da comunicação e a chamada pontuação da sequência de eventos. [9] Deste viés, importa menos os conteúdos das mensagens, per se, e mais a identificação das regras criadas pelo médico e pelo paciente para reger o diálogo enquanto estão trocando informações.

Exemplos de desqualificações comunicativas

Entenda, o paciente pode desqualificar o médico e o médico desqualificar o paciente. Das desqualificações mais frequentes, selecionei as que se seguem:

Declarações contraditórias - afirma-se algo e, concomitante ou subseqüentemente, o seu oposto, um invalidando o outro.

Exemplos:

R: Como vai o seu relacionamento em casa?

P: Péssimo. Às vezes vai bem.

ou

P: Não quero ficar internado, nem continuar o tratamento. Tá bom, eu fico internado. Eu exijo. É melhor.

Mudanças bruscas de assunto – É a forma mais frequente de desqualificação encontrada na pesquisa de Carmita Abdo. Pergunta-se ou responde-se a algo que nada tem a ver com o assunto em pauta (dando a impressão de que não ouviu ou não está participando da conversa).

Exemplo:

P= paciente; R= residente.

Mãe: Ele não dorme e não deixa ninguém dormir, doutora. Não pára. Está agitado. Não se alimenta. (...)

R: Um momento, minha senhora. M. você está ouvindo o que sua mãe está falando?

P: Não.

R: 'Desligou' enquanto ela falava?

P: É.

R: O que você acha disso?

P: Sua beleza me distrai (mudança brusca de assunto).

R: O assunto agora é você, não a minha beleza. Sua mãe fala coisas de você, diferentes das que você contou. E agora?

P: 'Pirei' você?

R: 'Pirou'. E a alimentação? (mudança brusca de assunto).

P: Não faz falta. Não é bem isso. Tem horas que me alimento.

Comentários: paciente desqualifica a residente que, logo a seguir, o desqualifica. Esta sequência de desqualificações vai se repetindo durante o resto da entrevista numa sucessão que termina por minar a qualidade final da interação.

Tangencialização - Responde-se, em circunlóquios, de forma insatisfatória e superficialmente, evitando-se o tema central.

Exemplo:

P: ...Tenho um dom divino. Bato o olho em alguém e, se fico com cisma, pode ter certeza, “tem coisa”. Às vezes chego a sentir até arrepio.

R: Você sente que as pessoas têm acesso a estes seus pensamentos?

P: Às vezes. Uma vez, eu raspei a cabeça e, quando me olhava no espelho, me sentia parecido com um frade. Eu gosto de fazer o bem, principalmente às crianças; fazer o bem para os meus filhos e os filhos dos outros. As pessoas têm importância para mim. De sessenta e oitenta dias para cá, eu só quero ler a Bíblia. Acho que ela é a salvação. (tangencialização, estilo obscuro e mudanças de assunto).

Outro exemplo:

P: Você já tomou Haldol?

R: Não.

P: Então vai tomar, para ver como é gostoso. Tem sabor de ameixa.

R: Você já ficou muito triste alguma vez? (mudança brusca de assunto).

P: Já. Corriam lágrimas e eu arranquei todos os meus dentes, com uma linha (reage à desqualificação do residente tangenciando com um argumento aparentemente sem nexo e um tanto irônico).

R: Agora você está alegre ou triste? (desconfirmando. O paciente já havia dito que estava triste).

P: Alegre, muito alegre". (desconfirmando como reação à desconfirmação do residente).

Interrupção brusca: No início, e na maior parte da entrevista o residente insiste para que o paciente fale de si e de sua família. Após muitas hesitações, o paciente começa a falar sobre a família:

P: Meu pai é alcoólatra, minha mãe já foi alcoólatra até dois anos... (...)

R: Sua medicação vem chegando. Paramos por aqui hoje. (interrompe, desconfirmando e desqualificando).

P: Não lhe contei tudo que me pediu (tentando restabelecer o diálogo).

R: Conversaremos outras vezes!, encerrando a entrevista

No momento em que o paciente se dispôs a falar sobre a família o residente o interrompeu bruscamente sob o pretexto de que a medicação estava chegando, colocando-o, assim, num duplo vínculo insolúvel -, fale, mas fique calado - que simplesmente “matou” o diálogo .

Frases incompletas

Exemplo:

R: E os remédios?

P: Não vou tomar.

R: Assim complica... (frase incompleta. Complica o quê, a quem, por quê?).

P: O que complica?

R: O vazio que você sente. (?! A emenda, pior que o soneto).

Interpretações errôneas e literais de metáforas - sugere desatenção e falta de sintonia com o interlocutor.

Exemplo:

R: Você está cansado?

P: Não. Estou sem “pique”. Estou me cuidando. Senão eu “danço”.

R: Você gosta de dançar? (falta de atenção, centrando-se em si mesmo e desrespeitando o discurso do paciente, gerando uma interpretação errônea que confunde a metáfora com o literal).

Desconfirmação. Desqualifica desconfirmando o que o outro diz.

Exemplo:

R: Como está você?

P: Vou indo. Ou melhor, acho que já estou bom. Quero minha alta.

R: Sente-se bem? (desconfirma o paciente que já disse achar que está bom).

P: Sim. Preciso recomeçar meu trabalho na firma. Está tudo atrasado.

R: Que firma?

P: Ora, a minha. Você sabe. A empresa grande de que lhe falei.

R: Fale um pouco mais sobre ela. É muito grande? (desconfirmando).

P: Claro. Foi aquela que comprei com o dinheiro que ganhei na loteria.

R: Firma de quê?

P: Não me lembro. (em represália, desqualificando e desconfirmando o residente).

R: Bom. Também não vem ao caso. (...) (desqualificando o paciente). (...) Você não gostaria de trocar a sua firma por outras coisas que deseja?

P: Pelo quê?

R: Sua alta, por exemplo. Pela volta ao campo, ao seu trabalho. Pela liberdade de andar a cavalo, trabalhar na lavoura como antes. (desconfirmando as afirmações anteriores do paciente).

P: Seria bom não é?

R: Acho que seria.

P: Ainda não posso.

R: Por que não?

P: Porque quero continuar sendo dono de firma por mais um tempo. É importante para mim. (desqualifica e desconfirma as sugestões do residente, e tenta convencê-lo de que o seu delírio é importante para lhe garantir um mínimo de sanidade).

Comentários: neste relato, a desconfirmação (tipo habitual de desqualificação) está presente na maioria das intervenções do residente. O paciente afirma que se vê como dono de uma firma e em condições de alta hospitalar. O residente não lhe reconhece como tal. O vê como um paciente internado e doente. Mais adiante afirma: Você não é dono de firma, você é lavrador. E o paciente: ...quero continuar sendo dono de firma... é importante para mim.”

Estilo obscuro - gera certo grau de confusão entre os comunicantes, principalmente quando o médico utiliza o jargão profissional que o paciente não conhece.

Exemplo:

Médico: O que você tem é dismenorréia. É ela que está causando o edema de seus membros inferiores devido à congestão sanguínea uterina.

Paciente: O que é dismenorréia?

Maneirismo da fala - rebusca-se a linguagem, mas perde-se a objetividade.

Exemplo: o médico, do alto de sua sapiência, centrado em si e nas próprias palavras, explica a paciente as características de um tumor de seio: Quero que entenda, o seu tumor tem alta morbilidade, mas, felizmente, para sorte da senhora, baixa mortalidade. Além disso, soma-se a seu favor o fato de que o índice de sucesso do tratamento é de quase 90%...

Paciente: Significa que vou ficar curada?

Interpretação literal de metáforas - modifica o verdadeiro significado da comunicação.

Exemplo:

P: Não tenho mais corpo. No entanto, ele, às vezes, cresce. Às vezes, fica deformado. Entendeu?

R: Um pouco. Fale mais: gostaria de entender melhor. (acompanhamento empático).

P: Não quero falar. Não quero ir para casa também. Não gosto de lá. Fico perto do meu pai. Tenho que ficar, não tem jeito.

R: Eu penso que não é hora mesmo, de você ir para casa. (acompanhamento empático).

P: Você acha? No primeiro andar fico mais perto do meu pai. Não gosto.

R: Como fica mais perto de seu pai? Ele está aqui? (interpretação literal de uma metáfora. Para o paciente ir para o primeiro andar do hospital significa metaforicamente um retorno diário a sua residência e o consequente encontro com o pai).

P: Esse andar me lembra o tempo em que eu voltava para casa todas as noites e só passava os dias no hospital. (O residente não conhecia a história do paciente e, por isso, não entendeu a metáfora usada, até o momento em que ele explica tentando corrigir a interpretação errônea).

Outro exemplo de transformação de metáfora num significado literal, dando ao discurso do paciente uma signifiado que não existe.

P: Sinto-me como se tivesse perdido a capacidade de sair do chão.

R: Mas você não tem asas...! (literalizando a metáfora).

Observação. As entrevistas, cujos fragmentos foram citados, podem ser lidas, na íntegra, no livro Armadilhas da Comunicação, de Carmita Helena Najjar Abdo.

Transições:como mudar de tópico na entrevista sem desqualificar o paciente

Durante a consulta, o médico precisa mudar de assunto interferindo ativamente no que está sendo dito pelo paciente. Sem os devidos cuidados, poderá desagradá-lo, principalmente se ele estiver falando sobre um assunto que acredita ser importante.

Desaconselho a interrupção brusca por ser uma manobra que conduzirá a deterioração da interação, por violar as regras da comunicação bem-sucedida. Entretanto, pode-se usar as chamadas transições sem contrariar ou desqualificar o paciente. Listo, a seguir, três estratégias práticas de transição para mudar a fala do paciente sem interrompê-lo bruscamente ou desagradá-lo. (CARLAT, 2007).[10] São elas:

Transição suave (criada por SULLIVAN, 1970)[11]

Estratégia: utilizar algo que o paciente está dizendo para introduzir um novo tópico.

Exemplo: Paciente deprimida centraliza o seu relato nos conflitos vividos com o marido e as enteadas. Interessa ao médico obter informações sobre a patologia familiar:

P: John é muito bom para mim, mas não suporto o jeito como as filhas dele esperam que eu me desdobre para facilitar a vida delas. Afinal de contas, elas são adultas.

M: Falando de família, alguém mais da sua família passou por uma depressão como a que você está tendo?

Transição referida (SHEA, 1988)

Estratégia: Fazer referência a alguma coisa que o paciente já disse, para passar a um novo tópico.

Exemplo: Um paciente deprimido mencionou rapidamente que “não sabia se conseguiria continuar suportando aquela situação”. No meio da entrevista o médico precisou avaliar melhor o risco de suicídio:

P: O médico me deu uns remédios por um tempo, mas não adiantou muita coisa.

M: Antes, você mencionou que não sabia se iria conseguir agüentar essa situação. Alguma vez lhe ocorreu que seria melhor está morto?

Transição anunciada

Estratégia: Introduz-se o tópico (ou série de tópicos) antes de abordá-los, com afirmações do tipo: Gostaria agora de falar sobre... Gostaria de fazer algumas perguntas diferentes agora...: O funcionamento é parecido ao de pedir, antes, licença ao paciente para sentar-se em sua cama, fazer uma manobra, aplicar-lhe um procedimento médico, etc.

Exemplo: Agora, eu gostaria de mudar de assunto para lhe fazer algumas perguntas a respeito de... (um sintoma, um comportamento, uma prescrição, um relacionamento, etc.).

Ou, então: Você precisa limitar a avalanche de informações – muitas aparentemente irrelevantes ou sem propósito – proferida por um paciente verborrágico.

Sei que para você é importante tudo o que está me contando; mas sei também que a consulta vai acabar em dez minutos, e eu preciso lhe fazer algumas perguntas que são necessárias para que eu possa lhe ajudar mais. Então, você ainda tem... (olha para o relógio)...um minuto para concluir a sua fala.

Dica prática

Desqualificação por mercantilização da medicina - Transformar o exercício da medicina num balcão de negócios não só desqualifica a interação médico/paciente, mas, seguramente, irá gerar prejuízos técnicos e éticos.

Exemplos clínicos

Um exemplo de interação clínica mal-sucedida: a história do Dr. Rabin

Para ilustrar uma interação mal sucedida vou transcrever pequeno fragmento do relato do Dr. Rabin, endocrinologista com diagnóstico de esclerose lateral amiotrófica (ELA).

Consulta com o especialista

Buscando um diagnóstico definitivo, o Dr. Rabin procurou um importante especialista. Sobre esta entrevista, ele escreveu: “... fiquei desiludido com sua maneira impessoal de se comunicar com os pacientes. Não demonstrou, em momento nenhum, interesse por mim como pessoa que estava sofrendo. Não me fez nenhuma pergunta sobre meu trabalho. Não me aconselhou nada a respeito do que tinha que fazer ou do que considerava importante psicologicamente, para facilitar o enfrentamento das minhas reações, a fim de me adaptar e responder à doença degenerativa. Ele, como médico experiente da área, mostrou-se atencioso, preocupado, somente no momento em que me apresentou a curva da mortalidade da esclerose amiotrófica” (Rabin & Rabin, 1982, apud Hahn, 1995:245).

Curioso é que, meses depois desse contato decepcionante, o doutor Rabin, leu um artigo desse especialista no qual ele atribuía grande importância ao papel do suporte moral e psicológico no tratamento de pacientes com esclerose lateral amiotrófica. Neste caso, o discurso teórico revelou-se a antítese da prática.

Qualificação/Desqualificação na clínica médica: dois exemplos de entrevista

Exemplo 1. Anamnese diretiva

Identificação: Josevaldo, 18 anos, alfabetizado, solteiro, lavrador, natural e procedente de Itaparica. Informante da história: o paciente com bom grau de informação.

QP: Caroço no pescoço há 02 meses

HMA: o paciente informa que há 02 meses observa "caroços" endurecidos no pescoço, à direita. Há 03 semanas ficaram amolecidos e começou a eliminar liquido de aspecto amarelo, mas sem odor fétido. Foi avaliado por médico em sua cidade e medicado com Voltaren e Amoxacilina sem melhora. Associado aos "caroços" há 02 meses, apresenta febre, de até 38O C, diária, mais freqüente à tarde, que cede aos analgésicos comuns.

AM: Nega alergia a medicamentos ou doenças prévias.

HV: tabagismo desde os 13 anos, cerca de dois cigarros ao dia e nos finais de semana fuma até 10 cigarros ao dia. Etilismo diário, desde os 14 anos, quando trabalha na roça, usando até 01 garrafa de aguardente que divide com os colegas de trabalho. Nega uso de drogas ilícitas.

AF: Pai teve Tuberculose pulmonar há 20 anos. Irmão teve câncer no pescoço e baço e morreu há 03 anos.

HPS: paciente, jovem, coopera com a historia, mas refere estar com medo da doença. Perdeu o irmão há pouco tempo e teme estar com a mesma doença. Pergunta diversas vezes se já sabem o que ele tem e pede para não esconderem o diagnostico. Tem bons amigos em Itaparica, mas sabe que nem todos são de confiança. Seus pais se preocupam com ele, porém não podem deixar a roça e ficam temerosos por sua saúde. Namora uma garota de sua cidade e deseja voltar para revê-la.

IS: Às vezes queixa-se de odinofagia e disfagia a líquidos.

Ao exame físico: Paciente emagrecido, descorado +/++++, anicterico. Tax: 38 C. PA: 100x 70 mmHg PR: 90 pbm rítmico e cheio

Ao exame segmentar, verificados como dados positivos:

Presença de 02 linfonodos na cadeia cervical à direita, de 2 cm de diâmetro, endurecidos, fusionados e móveis, e 01 outro próximo, à direita, amolecido com drenagem espontânea de material purulento. Demais cadeias ganglionares do pescoço sem alterações.

Entrevista (semidiretiva) do mesmo paciente

J = paciente D = médico

J: Bom dia, doutor!

D: Bom dia! Qual o seu problema, Josevaldo?

J: Doutor, o que está me incomodando, são esses caroços no pescoço ---

D: Estou percebendo. Há quanto tempo você tem esses caroços?

J: Eu acho que surgiram há dois meses! Primeiro foram os caroços e, há mais ou menos quinze dias, um deles se rompeu---

D: --- e começou a eliminar esta secreção --- (completando o óbvio para informar que está centrado na fala do paciente).

J: - Pois é, doutor. Fui a um médico que me passou duas medicações, mas não melhorei nada!

A entrevista prossegue, mas a certa altura Josevaldo diz:

J: Doutor, tenho de lhe confessar uma coisa (bastante ansioso) ---

D: --- Diga, Josevaldo!

J: Estou desesperado! --- Meu irmão morreu a três anos por causa de um câncer no pescoço (os olhos começam a lacrimejar) --- será que eu tenho a mesma coisa?

D: Você está me dizendo que acredita ter a mesma doença de seu irmão e que terá o mesmo fim? (paráfrase com acompanhamento empático).

J: Bem, talvez, --- a mesma doença, não --- Agora que o senhor falou, percebo algumas diferenças --- (a paráfrase anterior propicia a reflexão do paciente).

D: Por exemplo --- (estímulo para continuar).

J: Ele não tinha febre, não tossia e nenhum caroço de seu pescoço se rompeu... (é o paciente começando a reorganizar o próprio pensamento).

D: Sim! --- (acompanhamento empático, significa, continuo lhe escutando).

J: - Mas ainda que não seja câncer, pode ser uma doença fatal ---

D: - Pode, mas não é! --- (intervenção ativa perfeitamente embasada pelo conhecimento do médico).

J: - Como assim? (interessado).

D: - Você tem uma doença que tem tratamento! (reafirmando mais explicitamente).

J: - Doutor, peço pelo amor de Deus, não me esconda nada --- quero que me diga a verdade--- (menos inseguro, querendo saber da verdade).

D: - Meu caro Josevaldo, você quer saber qual a sua doença? (paráfrase).

J:---É a coisa que mais quero, doutor!

D: - Pois bem. Você tem uma doença tratável, produzida por um micróbio chamado bacilo de Koch --- (o médico comunica a primeira informação direta, ao perceber através da leitura do verbal, paraverbal e averbal do paciente que ele se encontra em condições de recebê-la).

J: - O quê? O senhor está dizendo que eu tenho tuberculose --- (mostrando que sabe sobre o bacilo de Koch).

D: - Exatamente, uma doença infecciosa perfeitamente curável! (sabe que o paciente está em condições de assimilar o conteúdo, pelo que percebeu dos dados obtidos do acompanhamento empático).

J: - Bem --- meu pai teve tuberculose e não morreu! (reflexão lógica, expressa através de uma voz mais tranquila)

D: - Você está me dizendo que seu pai teve uma doença igual a sua e sobreviveu? (paráfrase e acompanhamento empático).

J: - Foi, sim, doutor. Ele teve tuberculose e ficou bom. Mais foi há muito tempo! E se naquele tempo ---- quando as coisas eram mais difíceis --- ele conseguiu se curar, hoje, deve ser muito mais fácil!--- (a paráfrase anterior, propiciou uma nova reorganização das idéias do paciente. Ele próprio, está se autoconvencendo. O médico apenas acompanha e facilita).

D: - Parece, você está começando a aceitar que a tuberculose pode ser tratada e curada! (mais uma paráfrase a validar o raciocínio do paciente. O médico continua perseguindo o objetivo de fazer o paciente entender, por si, que a sua doença não é câncer).

J: - Se é tuberculose, é claro que pode ser curada, não é mesmo doutor? (ainda inseguro, buscando uma confirmação mais explícita).

D: - Sim, meu caro Josevaldo! (chega o momento de mais uma confirmação explicita do médico complementando a fala do paciente).

J: - Obrigado, doutor! O senhor me tirou um grande peso dos ombros! E agora, qual será o próximo passo? (voz esperançosa, já pensando no futuro; a frase sugere que já superou a idéia de ser portador de câncer).

D: - A parte mais fácil! Primeiro vou mandar fazer um curativo em seu pescoço; depois pedirei alguns exames e lhe receitarei antibióticos que, junto com alguns cuidados especiais, deverão curar a sua tuberculose! (acompanhamento empático para dar continuidade a noções tranquilizadoras sobre o porvir).

Comentários

O exame clínico tradicional (Identificação, queixa principal, história médica atual, antecedentes, história social e personalidade, interrogatório sistemático, exame físico) está completo. A narrativa da entrevista mostra uma interação médico-paciente harmoniosa, na qual o médico acompanha empaticamente o diálogo centrado no que o paciente diz, faz e sente. É um exemplo de uma interação clinica bem-sucedida.

Exemplo 2 Anamnese diretiva

Identificação: Carlos, sexo masculino, 52 anos, professor, natural e procedente de Salvador, casado, católico.

Informante: o paciente com bom grau de informação.

QP: Tosse e escarro com sangue há +/- 04 semanas.

HMA: Paciente refere que há 04 semanas vem apresentando tosse produtiva, com expectoração purulenta e que há 02 semanas começou a apresentar escarros hemáticos junto com a expectoração. Refere febre e hoje teve expectoração sanguinolenta de cerca de 50ml. Além destes sintomas, vem perdendo peso nos últimos dois meses (cerca de 5 kg). Fala que sempre teve uma tosse com pigarro que considerava normal, mas que vem piorando nas últimas semanas. Informa também que está com o "fôlego mais curto", não aguentando subir a escada da casa sem se sentir cansado e isto vem piorando progressivamente.

AM: Nega hipertensão, diabetes ou alergias medicamentosas. Nega asma na infância.

HV: Tabagismo de 02 cart/dia desde os 16 anos. Nega etilismo. Refere refeições balanceadas, mas não tem atividade física regular.

AF: Nega história de HAS ou DM na família. Pai falecido de câncer de estômago. Mãe viva, com saúde aparente.

HPS: Refere estar muito preocupado com estes sintomas e "teme pelo pior". Diz estar muito estressado ultimamente no trabalho. Também está se separando da esposa após 22 anos de casamento. Tem dois filhos, mas não se sente muito próximo deles. Sente-se só. (a solidão é um fator de risco para a depressão).

Ao exame físico: Paciente lúcido e orientado no tempo e no espaço, com idade aparente compatível com a referida, emagrecido, febril, com mucosas descoradas +/4+ e anictéricas. Dispnéico ao falar. TA: 120/70mmHg; Peso: 65 Kg Altura: 175 cm

FC: 88 bpm, FR:28 rmp, T:38ºC. Baqueteamento digital.

Ao exame segmentar, verificados como dados positivos:

AR: Tórax em barril, com tiragem intercostal e expansibilidade diminuída em 1/3 médio de HTD, bem como submacicez à palpação e presença de crépitos no mesmo local.

Entrevista (semidiretiva?!) do mesmo paciente

P: - Além de me sentir só Doutor, eu estou perdendo a vontade para tudo. É tristeza todo dia, todos os dias! Não suporto mais esta situação. (Declaração típica de um indivíduo sofrendo de depressão).

M:- Desde quando o Sr. está se sentindo deste modo? (acompanhamento empático).

P: - Éééé...... (paciente desvia o olhar do médico, fica em silêncio, dando a impressão de distanciamento).

M: - O senhor poderia me falar mais do que está sentindo? (insistindo no mesmo tema, mas sem atentar para as mensagens averbais do paciente).

P: - Eu não durmo bem; sinto cansaço, mas não consigo pegar no sono. Até uns meses atrás ficava fazendo alguma coisa no computador, navegando na internet ou vendo televisão. A minha mulher andava reclamando, reclamando até que um dia foi visitar um filho casado e não mais voltou. Falou que quando ficou longe de mim sentiu que a vida comigo estava sendo um peso insuportável, de como era difícil viver comigo, conviver com a minha falta de ânimo, minhas visões sempre negativas para tudo. Disse ainda que o pior de tudo era quando acertava algum jantar com pessoas conhecidas: parecia que eu fazia questão de transmitir uma imagem de fracassado. (pode-se identificar uma sequência de estressores sociais vários).

Agora vivo neste estado de agonia que estou lhe falando, e nem consigo mais ficar em frente ao computador ou televisão. (perda das apetências, sintoma comum na depressão).

Em muitos momentos, penso que seria melhor morrer, pois assim tudo se resolvia. (idéia de suicídio?). Mas sei que no fundo não é bom pensar assim; sou católico e devo ter fé em Deus, devo pensar que quero ficar bom. E aí, então, penso: ficando bom, que farei de minha vida? Está tudo ruim. É muita coisa na cabeça... Sei lá.. se eu estiver com alguma doença grave, posso não me esforçar para me curar e aí posso morrer sem cometer pecado... sei não... não vejo luz no fim do túnel... fico me sentindo culpado, arrependido por meus pensamentos. (cadeia de sintomas absolutamente compatível com um grave quadro de depressão).

Fico pensando se esta doença não é um castigo pelo que deixei de fazer pela minha família, pela minha mulher. Mas também teve coisas na minha vida que nada fiz para merecer. (auto-acusações reforçando o diagnóstico de depressão).

Eu sempre fui uma pessoa triste e só. Pois minha mãe não tinha tempo e meu pai só trabalhava. Não tive carinho, amigos, sempre fui uma pessoa só. O pior, é que me acostumei a isso, tanto que também não dei nada a meus filhos. E minha mulher me deixou por isso. Sempre reclamou da falta de carinho, de companhia. Não vislumbro nada de bom. (outra vez, auto-acusações, agora justificadas por sua infância infeliz).

Pois é, trabalho o dia todo e quando chego a casa não tem nada de bom. Nada, nada mesmo. (perda das apetências, nada lhe trás prazer).

Pense bem doutor, pense bem (fala em tom enfático, tentando atrair o médico para o diálogo): como o Senhor se sentiria trabalhando aqui o dia todo, só atendendo gente com problemas e quando chegasse em casa não tivesse nada que lhe desse prazer? (outra vez, tenta envolver o médico na discussão).

M. - É... entendo... (desqualifica o paciente ao interromper bruscamente a sua fala)... Mas agora o Senhor tem que fazer os exames e só depois dos resultados é que vamos estabelecer o seu tratamento (a intervenção do médico é expressa em tom neutro, ritmo rápido e monocórdico; desvia o olhar do paciente, escreve rapidamente as requisições de exame e as entrega).

P. - E qual é o meu diagnóstico, doutor?

M: - Você fará os exames e quando receber os resultados telefone para minha secretária para marcar uma consulta de revisão. Combinado? (sem responder à pergunta do paciente, o mantém a distância de modo formal).

Comentários

Certamente, esse não é um exemplo de interação médico-paciente bem-sucedido. A comunicação médico/paciente é dialógica (duas pessoas) exigindo a participação ativa e recíproca dos interlocutores. É como um jogo de tênis. Sem parceiro não há jogo. No exemplo, o médico simplesmente não participou. Resultado, sem interlocutor para dialogar o paciente ficou a falar com os móveis e as paredes do consultório. preenchendo o espaço do discurso (mais do que suficiente) com seu monólogo solitário, enquanto o médico, centrado em si mesmo, manteve-se ausente da conversa, do início ao fim da consulta. (Aprende-se aqui, é necessário propiciar o espaço para a fala do paciente, mas não é suficiente se falta a contraparte interativa do médico).

A anamnese diretiva< centrada na doença física, não foi suficiente para apreender o todo da doença, principalmente a depressão explícita e o risco de suicídio – naquele momento o evento patológico mais preocupante. Faltou ainda a contrapartida semi-diretiva do médico para compreender o doente e torna-se capaz de ajudá-lo.

Em nenhum momento, o médico, centrado em si mesmo (e não no paciente), adotou a estratégia de escutar interessadamente o discurso do enfermo. Restringiu-se somente a exercitar o vínculo assimétrico papel-papel (eu sou o médico e você o paciente), sem demonstrar qualquer disposição para catalisar o ordenamento e a reestruturação dos pensamentos e dos sentimentos do paciente, prestando atenção somente aos sintomas somáticos da doença, sem escutar o doente, de forma inteligente, na sua integralidade.

Tal conduta é ineficaz porque empobrece o ato médico, no momento histórico em que o desafio é trabalhar a totalidade somática, mental, social e pessoal do paciente articulados a seus contextos vitais. Só assim, o profissional médico entenderá que o ser humano é muito mais do que "um saco de ossos, um tapete de pele ou um coquetel de hormônios". A propósito, uma semana depois dessa entrevista o paciente cometeu o suicídio.

Carências afetivas

Esses relatos demonstram que os efeitos benéficos das tecnologias dificilmente irão preencher as carências afetivas - necessidade de toque, do desabafo e tantos outros aspectos relacionados ao contato humano valorizados pelo sujeito enfermo. [4]

JASPERS enfatiza a necessidade de o médico recuperar os elementos subjetivos da comunicação com o seu paciente, “assumidos impropriamente pela psicanálise e esquecidos pela medicina” [5], medicina que se deixou seduzir pelo sucesso da tecnomedicina e da busca da objetividade dos dados, abandonando a tarefa basilar de construir uma vinculação afetiva com o paciente, domínio que nenhuma máquina pode (ainda) fazer. Significa, por mais que se queira ignorar a influência dos afetos, ela sempre estará presente na interação médico/paciente nas formas de perceber, de sentir, de pensar e de agir.

Dica prática

O poder de comunicação da linguagem averbal - Mudanças musculares visíveis em todas as partes do corpo costumam “revelar pensamentos e sentimentos, de tal forma, que cada postura criada no corpo tridimensional corresponde a um tipo do pensar e do sentir humanos” [6] revelando afeição, aversão, empatia, antipatia, medo, insegurança, compaixão, erotismo, transferência, contratransferência, etc.

Anamnese “engessada”

Concordo com Perestrello, quando diz que não se pode conceituar a interação médico paciente – campo de diálogo que é também campo de diagnóstico e, principalmente, campo de terapêutica – resumindo-a a obediência às regras de conduta estereotipada da anamnese clínica, onde as perguntas do médico são geralmente breves, truncadas porque ele é obrigado a seguir uma agenda preestabelecida, marcando itens apropriados em um questionário ou formulário. Trata-se, evidentemente, de uma visão simplista.

A interação médico-paciente estereotipada (prefiro dizer, “engessada” por perguntas e respostas padronizadas), pode, paradoxalmente, eliminar a própria interação por obstruir o discurso do paciente. E nem mesmo o médico tem um discurso próprio explícito porque as perguntas padronizadas não lhes pertence e sim a autores cujas identidades se perderam no tempo.

Postura assimétrica

Durante a consulta “engessada” o médico procura ficar no controle da interação – assumindo a postura assimétrica do médico-sábio interagindo com o paciente-ignorante - para conseguir informações que lhe interessam, mas nem sempre interessam ao paciente, configurando assim a chamada “relação” médico-paciente no qual o médico é o agente ativo e o paciente o agente passivo.

Com tal postura, o médico parece ignorar que o paciente também pensa a consulta como uma oportunidade especial para falar não somente de sua doença, mas de seus sonhos, dúvidas, esperanças e desesperanças. Este desencontro de objetivos pode causar ansiedade, conflito, frustração e levar a mal entendidos e insatisfações que só podem ser corrigidos se o doente deixar de ser tratado somente como uma máquina de fornecer informações, propiciando, assim, o caminho para a catarse, a concordância (antiga adesão) com o tratamento e o sucesso terapêutico.

Dica prática -

Percursos patológicos crônicos: os efeitos do estresse/distresse prolongados: mesmo que o doente não tenha enfrentado uma situação extrema na vida, as pequenas e repetitivas tragédias do dia a dia, rotina que parece não ter fim, podem produzir sofrimentos crônicos capazes de levá-lo a adoecer gravemente.

Comentando o par estresse/distresse

Nuno Sousa interessa-se pelos efeitos do estresse no Sistema Nervoso Central há já algum tempo e considera que a exposição a estresse/distresse prolongados são fatores precipitantes para alguns quadros demenciais e depressivos/ansiosos, além de influenciar na resposta imunológica e no metabolismo... a caracterização dos efeitos dos estresse/distresse no SNC e outros sistemas de nosso organismo, podem revelar-se cruciais para o desenvolvimento de novas abordagens terapêuticas benéficas e duradouras”.[7]

A correlação entre doença e contextos de significados

Sabemos, as doenças não surgem do nada. Elas costumam emergir em contextos carregados de significados próprios de cada pessoa. E tais significados vividos afetam profundamente a saúde. As experiências negativas do mundo costumam produzir doenças, atuando simultaneamente sobre o nosso somático, o nosso mental, o nosso social e o nosso pessoal.

Por conseguinte, não existe a patologia unicamente somática; existe sim a grande patologia dos seres vivos que surge, se organiza e se mantém devido as agressões danosas às quatro interfaces vitais, todas atingidas a um só tempo, umas com mais outras com menos gravidade .

Entretanto, a grande patologia não deve ser confundida com a noção vaga de distresse – conceito de agente patológico único e axiomático que pode ser usado para explicar quase tudo e qualquer coisa. Raiva, luto, divórcio, casamento, traições, depressão, hipertensão, infarto, câncer e congêneres... Tudo é culpa do distresse!

Ele funciona como uma espécie de atalho que exime o médico da obrigação de escutar a história de vida de seu paciente. Assim, explica-se qualquer patologia invocando as palavras mágicas estresse/distresse. E se elas explicam tudo, nada mais precisa ser investigado.

Infelizmente, quando entendido desta forma, nada mais precisa ser aprofundado porque elas costumam substituir a investigação da riqueza de uma história individual, desobrigando o médico da tarefa de conhecer melhor o seu paciente e de melhor explicar a doença.

Isto conduz à repetição de diagnósticos e prescrições, dos tipos: “A culpa é do estresse... você está muito estressado... assim que passar vai melhorar... por isso, relaxe, divirta-se, viaje, tire férias...

Na verdade, as situações estressantes/distressantes, e os infarto do miocárdio, lúpus, diabetes, a asma brônquica e câncer são patologias interdependentes que se correlacionam umas com as outras porque possuem determinantes subjetivos que precisam ser diagnosticados, avaliados e tratados pelo médico – mas somente por aquele médico que objetiva ultrapassar o insuficiente tratamento sintomático para investir na promoção da saúde integral de seu paciente, interferindo no ciclo vicioso da doença e ajudando, inclusive, a melhorar a sua qualidade de vida.

Dica prática

As entrevistas clínicas padronizadas (prefiro dizer, “engessadas”) produzem histórias clínicas impecáveis sobre a doença, mas são iatropatogênicas porque eliminam o discurso de quem sofre e está ávido para falar de seus sofrimentos invalidando, desconfirmando e desqualificando o doente.

Entraves na adoção de um novo modelo conceitual

A aceitação de um novo modelo conceitual implica na implementação de novas abordagens e novos procedimentos que podem se configurar como ameaçadores para o médico. Surgem questões como: Quais os riscos de se praticar uma abordagem diferente? Os envolvidos (médico – paciente - sociedade) ficarão satisfeitos? A rotina do atendimento ficará mais lenta? O médico é capaz de lidar com os sentimentos do paciente? (STEWART, 2010) Algumas respostas serão transcritas do livro Medicina centrada na pessoa:

Achamos que os benefícios superam os riscos potenciais... pesquisas mostraram que as consultas centradas na pessoa estão associadas a vantagens... menos reclamação por negligência médica (Hickson et at AL., 1994); maior satisfação do médico (Roter et AL., 1997); maior satisfação dos doentes (Dietrich e Marton, 1982;Hall e D’ornan, 1988ª, b. Linner AL., 1982; Stewart et AL., 1999); redução das preocupações (Bess et AL., 1986;;Headache Study Group, 1986;Henbest Fehrsen, 1992; Henbest e Stewart, 1990); melhor autoavaliação de saúde (Stewart et AL., 2000); e melhores condições fisiológicas (Greenfield et AL., 1988; Kaplan ET AL.,1989b.);... As pesquisas também indicam que as consultas que seguem o modelo não demoram mais que as convencionais (Greenfield et AL.,1988; Henbest e Fehrsen, 1992; Marvel et AL., 1998). Na verdade, elas melhoram a interação entre a pessoa atendida e o médico por meio de uma profunda investigação da experiência individual da doença (Arborelius e Bremberg, 1992; Howie et AL,. 1991; Marvwel et AL., 1998) e fornecem oportunidade para que se estabeleça uma base em comum...”[12] ...“Talvez, se o objetivo da medicina for o diagnóstico e o tratamento da doença, a qualidade da comunicação entre o médico e o paciente faz pouca diferença, conquanto se obtenha um histórico médico adequado e a necessária cooperação do paciente, para fazer ou deixar de fazer certas coisas. Mas se o objetivo da medicina for interpretado mais amplamente, se a preocupação for com a pessoa que está doente, e o objetivo o de aliviar, reassegurar e restaurar o paciente, como parece que deve ser, então a qualidade da comunicação assume uma importância instrumental e tudo o que interferir com ela precisa ser observado, e se possível, removido..” (SAMORA, 1961) [13]

Finalizando

Diante desses saberes, evidências e constatações só nos resta cerrar fileiras em prol da abordagem multiaxial – mental, somática, social e pessoal articulada ao contexto vital – prevenindo a iatropatogenia com técnicas, táticas e estratégias comunicacionais e encarando as novas atitudes e os novos procedimentos como um desafio a ser superado, sempre em benefício da saúde e da melhor qualidade de vida de nossos pacientes e, por consequência, de nossa satisfação e de nosso crescimento profissional.

Notas:

[1] Professor Adjunto da EBMSP, cursos de Psiquiatria e Semiologia Mental.

[2] http://www.rsbcancer.com.br/rsbc/8mperspectiva.asp?nrev=N%C2%BA%C2%A08COMUNICAÇÃO IATROGENIA NA CANCEROLOGIA Dr. Antônio André Magoulas Perdicaris.

[3] ROGERS, Carl, Tornar-se pessoa, Ed. Martins Fontes, Santos, SP, 1972.

[4] Comunicando-se com o paciente terminal Mônica Martins Trovo de Araújo, Maria Júlia Paes da Silva, RSBC , São Paulo, Sábado, 17/10/2009 , Revista Nº 23 Página,http://www.rsbcancer.com.br/rsbc/23_Pag_comunicando.asp?nrev=Nº 23&Pag=

[5] JASPERS, Karl, Psicopatologia Geral, volume I, Ed. Atheneu, 2ª. Edição, RJ e SP, 1979.

[6] FONSECA, Albenísio, Para ver Rodin, além do modelado, A Tarde, pág. A2, 23.11.2009.

[7] SOUZA Nuno, 2010, DIRETOR DA Escola de Medicina de Minho, Portugal

[8] ABDO, Carmita Helena Najjar, Armadilha da comunicação, o médico, o paciente, o diálogo. SP, Lemos Editorial, SP, 1996.

[9] QUEIROZ, José Pinto de, Comunicando com o paciente.

[10] CARLAT, Daniel, Entrevista Psiquiátrica, 2º. Edição, Artmed, Porto Alegre, 2007.

[11] SULLIVAN, Harry Stack, A entrevista psiquiátrica, Interciência, RJ, 1983.

[12] STEWART et AL., Medicina centrada na pessoa. Transformando o método clinico, Artmed, 2ª. Edição, SP, 2010.

[13]http://encipecom.metodista.br/mediawiki/index.php/An%C3%A1lise_do_discurso_e_intera%C3%A7%C3%A3o_m%C3%A9dico/paciente:_perspectivas_em_conflito

LEITURAS ALTAMENTE RECOMENDADAS:

BIRD, Brian, Conversando com o paciente, Livraria Manole, São Paulo, 1975.

LEADER, Darian, CORFIELD, David, Por que as pessoas ficam doentes, Best Seller, RJ, 2009.

CURY, Alexandre Faisal e VOLICH, Rubens Marcelo, Segredos de Mulher, diálogos entre um ginecologista e um psicanalista, Atheneu, SP, 2010.

STEWART, Moira et AL., Medicina centrada na pessoa, artmed, Porto Alegre, 2010.

SANTOS, Franklin Santana et al, Cuidados Paliativos, discutindo a vida, a morte e o morrer, Atheneu, Porto Alegre, 2010,

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