sexta-feira, 28 de outubro de 2011

COMUNICANDO COM O PACIENTE - ATUALIZAÇÃO


 COMUNICANDO-SE COM O PACIENTE NA CLÍNICA DIÁRIA
José Pinto de Queiroz Filho

1ª. Parte
Construção de uma interação clínica bem-sucedida

Comunicar significa partilhar, por em comum, interagir.

Introdução - Medicina e comunicação
Acumulam-se evidências (RUESCH, 1951, ENTRALGO, 1961, PERESTRELLO, 1962, LAING, 1964, BALINT, 1966, SULLIVAN, 1974, BATESON, WATZLAWICK, JACKSON, 1981, BIRMAN, 1986, QUEIROZ, 1991, ABDO, 1996) de que o médico precisa ser hábil em comunicação para construir uma interação clínica bem-sucedida, estratégia primeira do exercício da Medicina, porque se ela não se efetiva ficam prejudicados os demais passos que a sucedem, de diagnóstico, de prognóstico e de terapia.

Modalidades de comunicação em medicina

A Medicina trabalha com a comunicação em suas diversas modalidades:

1. Comunicação direta, face-a-face, exercida no setting de consulta clínica.
2. Comunicação em pequenos grupos, nos eventos - aulas, palestras, congressos, debates etc.
3. Comunicação irradiante, das grandes mídias de massa, mediada por sistemas técnicos de produção em massa (jornais, revistas, TV, literatura de massa, radiodifusão, cinema).
4. Comunicação espectral, concentrada basicamente nas redes digitais da internet.  

Desse todo, interessa-me focar, aqui, os elementos da comunicação direta, pessoa/pessoa, face-a-face, aplicados à interação médico-paciente, no meu entender, o principal instrumento de trabalho do médico. Interação significa, aqui, a troca mútua de mensagens entre pessoas. Conforme o Dicionário Aurélio, "é uma ação que se exerce mutuamente entre duas ou mais coisas, ou duas ou mais pessoas; ação recíproca". Refere-se a um processo que ocorre entre dois agentes, mais do que uma ação de um sujeito sobre outro, o que não fica claramente explicitado na palavra "relação". É nos processos interacionais que os comunicantes negociam o significado de suas interações.

Comunicação e Eficácia Médica  
"Se for considerada apenas uma técnica eficiente para obter respostas pré-pautadas por um questionário, a entrevista não promoverá a comunicação entre pessoas. Se o diálogo autêntico acontece, estabelece-se a comunicação e entrevistado e entrevistador saem alterados do encontro".  (CREMILDA DE ARAÚJO MEDINA)

A doença é sempre pessoal, pois afeta cada pessoa de forma única. Acontece porque o corpo e a mente de cada um de nós reagem de maneiras distintas das de outra pessoa. Por isso, quando lidamos com pessoas, não há como separar eventos mentais, somáticos, interpessoais, pessoais e contextuais porque o adoecer afeta o indivíduo como um todo. O próprio efeito terapêutico das drogas, por exemplo, não depende exclusivamente dos fatores farmacodinâmicos, mas também de como o paciente se sente, tranqüilo ou ansioso, para aderir ou rejeitar um tratamento.  Por isso, comunicar-se adequadamente com o enfermo é, per se, um instrumento terapêutico competente para construir pontes capazes de levar a lugares inimagináveis, quase sempre um remédio adequado ou, algumas vezes, o único viável - quando precisamos interagir, por exemplo, com o doente terminal.  "Mostra-se nítido que a terminalidade lenta tornou o cuidar mais complexo, já que o paciente precisa ser visto não mais como um corpo biológico em processo de degeneração, mas como um ser completo, que apresenta demandas e necessita de assistência em sua esfera..."  (somato-mental-social-pessoal).

"Uma abordagem a um órgão ou doença específica, para diagnóstico e terapia, frequentemente tem um mau resultado quando o indivíduo com o órgão e a doença é ignorado. Relacionar as queixas e incapacitações do paciente, com sua personalidade e circunstâncias sociais, auxilia a determinar a natureza e causas dessas queixas e incapacitações.
Para avaliar a personalidade do paciente, o médico deve primeiro ouvir atentamente e demonstrar interesse pelo paciente enquanto pessoa. Conduzir a entrevista com frieza e indiferença, com questões fechadas (seguindo um algoritmo rígido do sistema revisado) é mais provável que impeça o paciente de revelar informações relevantes. Traçar a história da doença que se apresenta com questões abertas, que permitam ao paciente contar a história com suas próprias palavras, não toma muito tempo e possibilita a descrição das circunstâncias sociais associadas e a revelação de reações emocionais."

Dessa forma, a reflexão sobre um fragmento do todo que é o paciente -, por exemplo, a exploração somática única e "engessada" -, impede o profissional de obter dados pertinentes (mentais, sociais, pessoais) cujos nexos com a enfermidade lhes propicia compreender o doente, diagnosticar a doença com mais precisão e instituir a terapêutica mais adequada para cada paciente. E o que fica é a ilusão de se ter superado a doença sem que o doente tenha sido realmente curada.

Imprevistos da comunicação 
"A história da Medicina é uma história de vozes misteriosas do corpo: o sopro, o sibilo, o borborigmo, a crepitação, o estridor. As vozes inarticuladas do paciente: o gemido, o grito, o estertor. As vozes articuladas do paciente: as queixas, o relato da doença, as perguntas inquietas. A voz articulada do médico: a anamnese, o diagnóstico, o prognóstico."

Parte da comunicação pode ser planejada, mas a outra parte contém imprevistos que só podem ser resolvidos se o médico for capaz de fazer o acompanhamento empático das ações e reações do paciente durante a entrevista mostrando-se, assim, apto para construir a interação, o que lhe propiciará comunicar-se de forma mais adequada (interagindo, partilhando, pondo em comum) de acordo com o andamento da consulta, privilegiando a os aspectos emocionais da doença. Isto precisa ser assim, porque a maior dificuldade do doente é a de lidar com a doença do ponto de vista emocional. Quanto mais entende e aceita emocionalmente a sua condição, melhor.  Só piora, se não aceita e não aprende a lidar com ela.

A interação médico-paciente
Para Sartre (citado por Birman, 1980) a interação do médico com o seu paciente é evento singular com características diversas de qualquer outra interação humana conhecida.

Para o iniciado costumo recomendar: Só se aprende a interagir com o paciente exercitando a comunicação, junto com ele, no dia a dia da clínica.

Idealmente, médico e paciente devem seguir juntos, ombro a ombro, em busca do objetivo comum de promover a saúde do segundo (prevenindo, preservando, produzindo saúde) e do bem estar e da qualidade de vida para ambos - médico e paciente, conduzidos por uma estratégia de validação do sujeito em que se preserva o desejo, o conforto, a liberdade possível e a hospitalidade do paciente como pessoa singular/plural, escutando os seus relatos de pequenos atos, pequenos enfrentamentos, pequenas vitórias ou derrotas, livres do "engessamento" do discurso dominantemente somático.

Para lembrar: Lidamos com uma profissão que não é uma ciência biológica pura, mas se fundamenta em conhecimentos biomédicos; não é uma ciência exata, mas respalda suas práticas diagnósticas, prognósticas e terapêuticas em evidências demonstráveis; e, para complexificar ainda mais, não é uma ciência da comunicação, mas não pode ser exercida em toda sua plenitude se o profissional for incapaz de estabelecer uma interação médico/paciente bem-sucedida.

Binômio ver-ouvir em Medicina
Vejo o objeto; ouço o sujeito. O binômio ver/ouvir permite que o médico veja e ouça os sinais e os sintomas situados nas dimensões de tempo e de espaço que constituem o campo de ação da consulta médica.

O visível configura um mundo de três dimensões, presentes na experiência imediata do aqui e do agora estabelecendo, assim, a dimensão espaço. Incluo entre os fenômenos visíveis tanto um tumor palpável quanto as expressões averbais, dos tipos: lágrimas -, que podem reforçar os vínculos sociais e comunicar sentimentos -, sorriso, choro, rubor facial, crispar dos punhos, agitação, alucinação, etc. Todos podem ser "lidos" e decodificados pela visão. Até mesmo o relato verbal do paciente, para ser ratificado, precisa ser comparado com a leitura visual da linguagem averbal.

Lidar com a interação médico/paciente implica em estabelecer vínculos com um ser polissêmico (de múltiplos significados) que funciona inserido num contexto vital. Por isso, por mais correta, clara, objetiva, óbvia e repleta de evidências incontestáveis, isoladamente a abordagem somática  não consegue abranger o todo do adoecer humano. Há sempre outros fatores envolvidos, conhecidos e desconhecidos, incluindo o próprio contexto vital onde o paciente está inserido.
A interação pode ser exercitada através da observação dos fenômenos visíveis e audíveis. No meu entender, ver e ouvir são processos complementares que fazem parte dos fundamentos para o exercício da profissão médica - um médico cego ou surdo terá dificuldades para construir uma interação clínica bem sucedida.  Sendo assim, o ver e o ouvir servem para explicar/compreender tanto o doente quanto a doença.

Interação médico paciente - a dimensão histórica
Costuma-se afirmar, e concordo com a afirmação, só se pode falar em interação médico-paciente quando nela se introduz a dimensão histórica. Graças à escuta do médico, a fala do doente o converte em uma pessoa na medida em que se firma com o seu discurso, como um ser que tem uma biografia e um destino. Entretanto, discordo de outra afirmativa: a de que sem a fala o paciente fica impossibilitado de partilhar a sua biografia com o médico.  A falta do discurso verbal pode dificultar, mas não impossibilita o relato da autobiografia. Acontece porque o processo humano de comunicar não se limita à fala; apenas 7% do que é comunicado ocorre com palavras enquanto os 83% restantes se faz por meio do rosto, do tipo de vestuário, das posturas, atitudes, sinais corporais, faciais e paralinguísticos. (SILVA, MÔNICA, JULIA, ARAÚJO, 2009).

Interação médico paciente - a dimensão temporal
O visual e o audível também introduzem a dimensão temporal na patologia. No dizer de Perestrello, a Medicina da Pessoa insere a enfermidade no contexto histórico do paciente.  Por conseguinte, através da captação dos relatos verbal e averbal - do audível e do visual -, pode-se adentrar o subjetivo do paciente obtendo dele a sequência de sua historia de vida e o resgate de sua autobiografia, contada por ele próprio, seja com a linguagem verbal, seja com a averbal ou com as duas simultaneamente, o que propicia ao médico reconhecer a sua humanidade concretizada em pessoa única.

Outros aspectos que alicerçam a construção de uma interação clínica bem sucedida são: atendimento sem atrasos, disponibilidade para atender em situações de emergência, escuta e observação ativa dos sofrimentos do paciente sem se limitar aos aspectos somáticos.

Dica prática
"Assumindo uma atitude profissional caracterizada por um acolhimento franco, o médico poderá aplacar a ansiedade e estimular o paciente para que compartilhe todos os aspectos de seus antecedentes pessoais dentro da história clínica. Qualquer que seja a atitude do doente, o médico deve situá-lo dentro do contexto em que se produziu a enfermidade, quer dizer, não vê-lo isolado, mas, sim, considerá-lo parte de um todo familiar, social e cultural. A interação médico-paciente ideal se apóia no conhecimento minucioso da pessoa, confiança mútua, e a capacidade de comunicação fluida e direta".
  
Adoecer
O adoecer tem uma história natural e uma história pessoal. A patologia pode ser encontrada tanto na estrutura somática do sujeito quanto na sua biografia - eventos mentais, interpessoais e pessoais sempre relacionados aos contextos vitais. As biografias humanas normais, anormais e patológicas podem ser compreendidas porque resultam da interligação dos eventos sucessivos que integram o viver humano e são co-responsáveis por sua saúde ou pelo adoecimento. Por isso, não existem dois pacientes iguais, nem duas evoluções patológicas semelhantes.

Além do somático  
As pessoas agem menos pelos fatos e mais pelo que percebem, sentem e pensam sobre os fatos. As evidências de que a evolução da doença e a resposta terapêutica dependem de como o paciente percebe, sente, pensa e faz, dentro do contexto onde se encontra inserido, convenceram o médico de que para se tornar um profissional competente deve adquirir a habilidade para investigar e intervir além do somático de seu paciente.  Entenda-se além do somático a valoração semiológica de significados, aspirações, valores, crenças e atitudes do paciente.
De outra parte, a eficiência do ato médico depende do tipo de interação que ele constrói com o paciente, podendo aliviar ou exacerbar a ansiedade e a depressão.

Considerando que é a comunicação quem propicia a construção desta interação, ser especialista em ser humano implica em tornar-se exímio na habilidade de comunicar.  É preciso que os profissionais aprendam a "ouvir" o paciente (e não silenciá-lo) e, nesse sentido, condena-se a anamnese unicamente dirigida.

Comunicando-se com o doente
Estar sadio inclui a habilidade para comunicar. Na pessoa enferma ela está quase sempre prejudicada. É por isso que a interação com o paciente exige uma abordagem especial do médico, pois ele terá de se comunicar, a um só tempo, com o doente, com a doença e com ele próprio.

O quê fazer. No início da entrevista (o mínimo de dez minutos), evite intervenções diretivas que procuram de alguma forma conduzir o paciente, minimizando a sua autonomia. Utilize a abordagem semidiretiva que procura acompanhar o seu relato dando-lhe a oportunidade de refletir ativamente sobre o próprio conteúdo para ajudá-lo a auto-estruturar e a auto-organizar as suas cognições, emoções e o seu campo perceptivo. Na verdade, a reorganização da experiência só pode ser feita por aquele que está vivendo a experiência. Sendo assim, "Cabe ao paciente (...) apresentar o caminho e nós acompanhá-lo em sua trajetória, reta ou sinuosa, em direção às experiências promotoras de saúde".    


Aprimorando habilidades e competências
Saber comunicar com adequação é habilidade imprescindível na prática médica  porque ajuda o profissional a atuar no processo saúde-doença a partir de uma perspectiva multifocal privilegiando as interfaces do ser humano, sempre levando em consideração os contextos vitais externo e interno.

A comunicação clínica bem-sucedida facilita a investigação semiológica, e os dados obtidos pela investigação semiológica tornam possível o raciocínio clínico. "Um bom número de situações, tidas pelos pacientes e/ou familiares como erro médico, resulta da incompreensão sobre o que foi dito (ou não) e do que foi entendido. (...) Do ponto de vista do médico importa considerar o que ele fez e falou (e não deveria) e a oportunidade certa de fazer, esperar e comunicar".

Significa, para se obter o diagnóstico mais preciso, o prognóstico mais acertado e a terapia mais efetiva deve-se dominar as seguintes habilidade e competências:
1. Habilidade para construir uma comunicação bem-sucedida. Faz-se necessário comunicar com competência acima da média, para estabelecer uma comunicação empática bem-sucedida, no contexto da interação clínica. A comunicação bem-sucedida antecede e facilita a investigação semiológica.

2. Competência semiológica para reconhecer e dar significado médico aos sinais e sintomas e, por conseqüência, permitir a identificação de danos patológicos (funcional e estrutural) que podem perturbar o físico (dano no corpo), a mente (dano no cérebro), as relações interpessoais (dano interpessoal), as relações de papéis e ideologias (danos sociais), as relações econômicas e de trabalho (danos socioeconômicos). Também para interpretar corretamente os resultados de exames complementares.

3. Competência para estabelecer o raciocínio clínico correlacionando os dados obtidos com a base de conhecimentos, rica e extensa, que se fundamenta em evidências clínicas e outras fontes confiáveis, incluindo a memória do médico, de acordo com a necessidade de cada momento.
 
4. Competência para conhecer e aplicar os recursos terapêuticos disponíveis (incluindo a si próprio, médico). Manter-se atualizado e informado sobre indicações, contra-indicações, posologia, toxicidade e efeitos colaterais, sempre levando em conta a individualidade do paciente e de seu organismo.

Elementos de uma comunicação clínica bem sucedida   
Existem poucas investigações a respeito do que significa (para o médico e para o paciente) uma comunicação clínica bem-sucedida.  E se não se sabe o que é uma comunicação bem-sucedida, como reconhecer a mal-sucedida? Talvez, o primeiro passo seja o de aprender a identificar os elementos fundamentais de uma interação comunicacional dita normal, habitual, cotidiana.

Para descrever os elementos da comunicação do dia-a-dia, utilizarei como referencial a Teoria Pragmática da Comunicação Humana, do grupo de Palo Alto, Califórnia, EUA, formado por cientistas multiprofissionais que investigaram, à exaustão, o campo da teoria e da prática dos padrões, patologias e paradoxos da interação, a partir da perspectiva interpessoal. Como resultado, postularam axiomas conjeturais dos fundamentos da comunicação cotidiana, dos quais abordarei, apenas, os que me parecem mais afinados com a interação clínica.

O quadro de referência  
Os autores ilustram o quadro de referência da teoria, com três relatos. Reconstituirei um:

Um homem desmaia e é levado para um hospital. O médico o examina e observa o estado de inconsciência, a pressão sanguínea extremamente baixa e o quadro clínico que se assemelha ao de intoxicação aguda por álcool ou outra droga. As análises não revelam nenhum vestígio de tais substâncias. O estado do paciente continua inexplicável até que ele desperta e revela ser um engenheiro de minas que acabara de regressar de dois anos de trabalho de uma mina de cobre situada no Andes, a uma altitude de 15.000 pés. Esclarece-se, o estado do paciente não é uma doença no sentido habitual de uma deficiência orgânica (...) mas um problema de adaptação de um organismo sadio a um meio drasticamente alterado. Se o paciente não tivesse despertado e informado sobre o seu trabalho, ampliando, assim, a compreensão das causas de seu desmaio, o médico, centrado em seu organismo e na ecologia do meio habitual, continuaria ignorando a natureza do evento.

Análise do relato  
Pergunta-se, o que existe de importante nesse relato? Simplesmente que qualquer fenômeno permanece inexplicável enquanto o âmbito da investigação não for suficientemente amplo para incluir o contexto onde o fenômeno ocorre. Quer dizer, o observador que se depara com algo "misterioso" é porque não investigou e não identificou as relações entre o evento e seu contexto propiciador.
Na área de saúde, que interessa aqui, enquanto os estudiosos da causalidade somática já aceitam a ampliação da explicação com a inclusão do contexto gerador, os adeptos da psicologia (de referencial intrapsíquico) ainda se baseiam, em larga medida, numa visão monádica do indivíduo e no método tradicional de isolar variáveis, o que fica óbvio quando o objeto de estudos é o comportamento perturbado. De acordo com a teoria intrapsíquica, numa pessoa com um agravo psicopatológico, a investigação deve começar pela natureza da mente humana, ou seja, pelos eventos intrapsíquicos. As perspectivas reducionistas intrapsíquicas produzem equívocos porque o observador é induzido a atribuir ao seu objeto de estudos certas propriedades que ele não possui. A visão limitada dos fenômenos origina e sustenta pseudociências várias, principalmente na área das disfunções mentais, ocorrendo também em outros domínios da Medicina.

Pior é quando um leigo em medicina resolve opinar, sem conhecimento de causa. Serve de exemplo a informação nonsense de Juliet Stevenson, atriz inglesa, condenando a vacina tríplice: "Fico assustada com a idéia de serem injetadas três doenças numa criança". Pior é que tal opinião não é inócua. Pode ser ouvida por pais (desinformados) e trazer sérios problemas aos filhos. In VEJA, edição 1991, de 17 de janeiro de 2007, SP, ed. Abril.

Ampliando os limites da investigação clínica
Se os limites da investigação forem ampliados, de modo a incluir o efeito do comportamento do indivíduo sobre os outros e as reações dos outros sobre o indivíduo, o foco transfere-se da mônade artificialmente isolada para as interações entre as partes de um sistema mais vasto que inclui a complexidade do somático somada aos contextos internos e externos: planos de vida, sobrevivência, crenças, símbolos, arranjos familiares, valores, ideologias, convivência interpessoal ora mais ora menos harmoniosa, entendimentos e desentendimentos pessoais. Desta perspectiva ampla e multifacetada, o observador do mal estar humano passa de um estudo inferencial da mente para o estudo das manifestações observáveis da interação. O veículo dessas manifestações é a comunicação
.
Axiomas da comunicação
Para facilitar a construção de uma comunicação bem sucedida é preciso evitar transgredir os axiomas propostos pela teoria da comunicação pragmática humana. Selecionamos, do todo, o que interessa mais para a entrevista médica. São eles:

A impossibilidade de não comunicar
A premissa é a de que o comportamento não tem o seu oposto; isto é, não existe o não-comportamento; por conseguinte, o indivíduo não pode não se comportar. Numa situação interacional todo o comportamento tem valor de mensagem, isto é, de comunicação. Por isso, por muito que a pessoa se esforce é-lhe impossível não comunicar. Inclusive, a mera ausência da fala não constitui exceção.

O fato de aceitar-se todo comportamento como comunicação, não quer dizer que se esteja lidando com uma unidade, mas com um complexo fluido de numerosos e multifacetados modos de comportamento - verbais, tonais, posturais, contextuais, etc. - que, em seu conjunto, determinam o significado de todos os outros.

Conteúdo e níveis de interação 
Toda comunicação implica um compromisso e define uma interação entre os comunicantes. Significa que uma comunicação não só transmite informação (conteúdo), mas, ao mesmo tempo, impõe um comportamento (interação). No nível de máquina, os engenheiros de comunicação verificaram que um organismo artificial tem de ser programado para se comunicar em dois níveis. Por exemplo, se um computador multiplica dois números terá de ser alimentado com os dois números (conteúdo) e com a instrução (ou ordem) para multiplicá-los. São dois tipos de informação, os dados e as instruções. A segunda é uma metainformação, quer dizer, informação que qualifica outra informação, por isso, pertence a um tipo lógico superior aos dados.

Em se falando de comunicação humana, se digo "Isto é uma ordem!", e metainformo, "Não me leve a sério!", forneço um conteúdo e, ao mesmo tempo, informo como deve ser compreendido. Atente, a interação também pode ser expressa averbalmente por um grito, um sorriso, vocalizações e muitos outros meios.


Linguagens verbal, paraverbal (ou paralinguagem)  e averbal
A comunicação é a base universal para as pessoas estabelecerem uma interação. A tarefa de facilitar essa comunicação deve abranger todos os recursos, por palavra, por escrito, por gestos e atitudes e pelo contato físico. Por exemplo, apenas dizer verbalmente "estou acolhendo você, estou atento a você, estou dando segurança para você, estou tendo empatia por você, estou sendo compreensivo com você, estou me colocando em disponibilidade para você", não convence, nem passa veracidade ao paciente porque a linguagem verbal (digital) é menos competente para transmitir os significados afetivos das vivências. Pior, por não estar convencido o interlocutor não valida nem sintoniza com as afirmações.  Neste caso, deve-se privilegiar a linguagem averbal (analógica), porque só ela é capaz de "costurar o invisível" dando qualidade e verossimilhança às interações pondo em comum os significados afetivos através de gestos, movimentos, toques, postura, comportamentos, vocalizações.  O toque é, particularmente, um dos procedimentos mais importantes da comunicação não verbal, porque pode enviar mensagens positivas e negativas para o paciente na dependência do momento, da forma e do local onde ocorre (BLANDIS, JACKSON, 1982). Ele pode ser utilizado como um meio de comunicação e uma forma de tratamento. (DELL ACQUA; ARAUJO, SILVA, 1982)

Adendo. O termo comunicação não-verbal é equívoco, porque parece indicar que está limitado apenas aos movimentos corporais, o chamado comportamento cinésico.  Outras manifestações visíveis/audíveis são essenciais para se fazer a leitura correta do averbal do paciente. Cito, entre outros, postura, gestos, expressão facial, inflexão de voz, seqüência, ritmo, e cadência das palavras e qualquer outra manifestação averbal de que o organismo é capaz, acrescidos das pistas comunicacionais infalivelmente presentes em qualquer contexto em que uma interação ocorra.

Por sinal, na análise da comunicação, o contexto é esquecido com relativa facilidade. Entretanto, uma mulher que decidisse ficar nua numa rua movimentada, em vez de fazê-lo em casa, poderia ser rapidamente conduzida para uma delegacia de polícia ou para um manicômio - um exemplo dos efeitos pragmáticos da comunicação não-verbal.

Importância do contexto
 A interação pode ser mais bem entendida se também for levado em consideração o contexto físico-social onde ela ocorre. Por exemplo, num consultório médico, num quartel de exército ou dentro de uma igreja. De forma idêntica, o contexto interpessoal influencia a interação. Dessa forma, podem divergir bastante as respostas de um aluno a um professor severo, um computador, ou a uma loura esplendorosa.

Dica prática.  A capacidade de metacomunicar (comunicar com adequação sobre a comunicação) é condição essencial de uma interação bem-sucedida, porque qualquer confusão entre comunicação (dados) e metacomunicação (instruções ou relações) pode conduzir a impasses e mal-entendidos, produzindo ruídos na interação.
 
A pontuação da seqüência das mensagens
Se um rato pudesse dizer: "Consegui treinar o meu experimentador. Sempre que aperto este botão ele me dá comida", estaria recusando a imposição da sequência estabelecida pelo experimentador: "Dou-lhe comida para você apertar o botão."  
A pontuação da comunicação refere-se à ordenação da troca de mensagens entre interlocutores. Um observador externo percebe uma interação entre pessoas como uma sequência ininterrupta de troca de mensagens. Numa sequência prolongada - por exemplo, na consulta médica - as pessoas a pontuarão de modo a ficar manifesto que um ou outro alternam a iniciativa, o conhecimento, o domínio, a dependência, etc. Quer dizer, estabelecerão entre eles padrões de permuta, e esses padrões serão, de fato, as regras que conduzirão o diálogo. A pontuação é vital para o sucesso das interações, porque organiza a sequência da comunicação - o momento de dizer, de escutar, de começar, de terminar.

A discordância sobre como pontuar tal sequência está na raiz de incontáveis lutas em torno das relações. Por exemplo, um casal com problemas conjugais. O marido pontua a interação retraindo-se passivamente, enquanto a pontuação da esposa consiste em censurar sua passividade. O marido diz que o seu retraimento é a única defesa contra as implicâncias da esposa. Ela classifica tal explicação como uma distorção grosseira e deliberada do que realmente ocorre no casamento. Sua critica é conseqüência da passividade do marido.
Despojados de todos os elementos efêmeros e fortuitos, a briga consiste numa troca repetitiva de mensagens: "Eu me retraio porque você implica." e "Eu implico porque você se retrai". O marido percebe o seu comportamento como simples resposta ao comportamento agressivo da esposa, enquanto ela se vê reagindo tão somente ao comportamento passivo do marido.

Num atendimento individual - que seria um desastre - cada um dos parceiros acusará o outro de estar "distorcendo a realidade", porque não consegue perceber que está vivendo uma experiência conjunta e interdependente que reside na incapacidade de ambos para metacomunicar sobre a natureza oscilatória e realimentadora do padrão da troca de informações. A alternação de passividade - censura - mais passividade - mais censura pode prosseguir ad infinitum, e, habitualmente, se faz acompanhar pelas típicas acusações de maldade ou loucura.

Numa observação mais criteriosa pode-se perceber que o conflito surge da pontuação arbitrária da sequência, notadamente da ilusão de que ele tem um começo (foi ele... foi ela quem começou), e este é precisamente o erro dos parceiros envolvidos nesta "armadilha comunicacional".   O mesmo argumento vale para as relações entre nações.

Dica prática. A interação que se estabelece entre interlocutores é regida e ordenada pela pontuação da sequência da troca de informações, um dos principais axiomas da comunicação que costuma ser desconsiderado pelo médico, na sua interação com o paciente, como veremos oportunamente.
  
Proxêmica: a distância entre pessoas
Edward Hall criou a palavra "proxêmica", para nomear a ciência que estuda como os indivíduos constroem distâncias entre eles, durante o processo da comunicação.

DAVIS, (1979) afirma que a noção do eu individual ultrapassa os limites da pele; passeia dentro de uma espécie de bolha particular, representada pela quantidade de ar que se sente existir entre o "eu" e o "outro". A proxêmica estuda esta espécie de "bolha invisível" (COOPER, 1979) que existe ao redor de toda pessoa e é vivida como uma extensão do próprio corpo pessoal, e que indica o quanto nosso eu aguenta a proximidade de outro eu. Sugeriu-se uma classificação do tamanho da bolha, de acordo com a distância interpessoal. HALL, citado por SILVA, propõe:

Distância íntima - do toque a 45 centímetros.
Distância pessoal - de 45 centímetros a 1 metro e 25 centímetros.
Distância social - de 1 metro e 25 centímetros a 3 metros e 60 centímetros.
Distância pública - acima de 3 metros e 60 centímetros.

Entendo, as dimensões da bolha invisível pode ser avaliada a partir de dois vieses:
1) da distância entre os interlocutores; quanto maior a distância física, hierárquica, socioeconômica, emocional, etc., mas afastadas ficam as pessoas.

2) da amplitude da bolha, isto é, quanto maior for a capacidade do indivíduo para  estender os limites físicos, cognitivos e afetivos de sua bolha, alcançando, ampliando, abrangendo e englobando o íntimo de outra pessoa, maior é a propensão para aceitá-la, compreendê-la e fazer contato.

Dica prática. Existem, na área de saúde, pelo menos, três formas de invasão do espaço pessoal das pessoas.
 
Violação: é a invasão com o olhar. Ocorre com relativa freqüência. Uma pessoa está fazendo um curativo na região mamária da paciente, por exemplo, chega outra e fica olhando sem explicar para a paciente o que está fazendo lá.

Invasão propriamente dita. Refere-se a invasão do território. Por exemplo, quando sentamos na cama do paciente, sem permissão; ou chegamos com a bandeja de medicação e empurramos todas as suas coisas da cabeceira.

Contaminação. É a invasão com 'coisas' nossas. Por exemplo: esquecer o termômetro na axila do paciente.
 
A invasão do espaço pessoal provoca no indivíduo reações agressiva e paranóide, resistências, recuos, indiferença.

Além da linguagem do contato social
Ao comunicar-se no cotidiano, as pessoas se falam, comentam os fatos da vida, opinam sobre assuntos vários, utilizando a linguagem, os gestos, o corpo e todos os equipamentos possíveis.

"As ciências estipulam definições ou convencionam uma simbologia com uso estritamente técnico para driblar a ambiguidade e a vagueza que são próprias à linguagem ordinária, daquela que usamos no blá-blá-blá do dia-a-dia. Mas fora do contexto específico da linguagem científica os sentidos deslizam, bailam e patinam à revelia daquilo que pretendemos que seja a verdadeira intenção do nosso discurso. O tropeço da fala (...) é quase sempre justificado com a desculpa: 'Não foi isso que eu quis dizer.' (...) Após o desabrochar da flor da fala, melhor que apelar para a selva do seu sentido intrínseco é estabelecer as distinções conceituais que se fizerem necessárias, observando o contexto de enunciação. (...) Considerar o contexto é mais instrutivo para a compreensão de uma fala infeliz que qualquer recurso a uma interioridade insondável".

Trata-se da comunicação para a sobrevivência, que é incapaz de ultrapassar os limites da "bolha invisível" que, já dissemos, existe ao redor do corpo de todo indivíduo, isolando-o seletivamente do semelhante e do mundo circundante.
 
Validação do Eu. Para que os indivíduos existam como pessoas, o Eu tem de ser permanentemente reconstruído com a atividade comunicativa. Parece ser a principal função da comunicação cotidiana "(...)  a de manter constante a reconstrução do conceito de Eu e do oferecimento deste conceito para ratificação dos outros. (Neste) (...) nível de interação as pessoas não comunicam sobre fatos situados fora de suas relações, mas oferecem-se mutuamente definições dessa interação e, por implicação, delas próprias".    Esta estratégia comunicacional limita a interação do indivíduo a uma "zona de troca" de insumos mínimos, para manter a sobrevida e o convívio social, evitando expor à influência de terceiros as suas angústias, sofrimentos, dúvidas, emoções, crenças e convicções mais arraigadas -, estratégia utilizada, com maior ou menor consciência, para dificultar e/ou inviabilizar mudanças na estrutura do Eu.

Para lembrar: A pessoa usa a linguagem do cotidiano para estabelecer um contato social limitado pela "bolha invisível", mas o que ela elabora internamente das coisas que foram ditas ou silenciadas, lidas ou escritas, vistas ou exibidas, é um outro mundo em que ocorre toda uma decodificação particular que só excepcionalmente o interlocutor é capaz de compartilhar com o semelhante.

Para fins terapêuticos, a pessoa pode mudar as suas convicções íntimas?  
Sim. A pessoa muda na medida em que se sente suficientemente segura para compartilhar com o outro as convicções íntimas de seu mundo pessoal e, simultaneamente, é convencida a aceitar argumentos novos que irão superar os limites de sua "bolha invisível" e revolucionar suas crenças e certezas. Tais mudanças radicais ocorrem em contextos especiais como, por exemplo, na consulta médica -, que nos interessa aqui.

Mas como criar tais contextos?  
O primeiro passo é definir objetivos. Em Medicina, os objetivos primeiros são os de sempre: prevenir, promover e produzir saúde e ajudar a alavancar a qualidade de vida do paciente, curar quando possível, aliviar sofrimentos, consolar sempre.
Somam-se, "aumentar a autonomia do doente e da família/ou rede social sobre a doença, no sentido do cuidado de si e da capacitação de cuidadores com a transferência de informações e técnicas de cuidado".
 
Após o registro dos dados de identificação, precisa-se construir a interação clínica bem sucedida acolhendo e escutando o paciente (e/ou acompanhante (s)).
Dicas práticas: Convém evitar perguntas ingênuas e repetitivas, dos tipos: O que você tem? Qual a sua doença? Se o paciente soubesse, não precisaria submeter-se ao exame médico.

Acolhimento
O acolhimento é uma forma de abordagem clínica que utiliza os dez primeiros minutos da entrevista para acompanhar o discurso do paciente, sem pretender guiá-lo ou instruí-lo. Quando o médico acolhe e acompanha o que o paciente lhe diz, abre um generoso espaço discursivo onde o tratamento é colocado como oportunidade de desenvolvimento da autonomia individual do paciente viabilizando a sua co-participação no processo de cura. A doença é focada como parte de sua biografia o que lhe propicia refletir sobre o próprio conteúdo mental, tornando-o ciente da própria autonomia para descobrir novos caminhos a partir da reorganização de seus afetos, de suas cognições e de seu campo perceptivo.  Lógico, somente a pessoa que está vivendo a experiência é capaz de reorganizá-la, mas a tarefa pode ser facilitada se tiver a ajuda catalisadora do médico.
Além disso, acolher e acompanhar a reorganização das experiências do paciente permite ao médico apreender o tom afetivo pessoal da comunicação e compreender o significado correto de suas vivências, incluindo a natureza dos pensamentos e dos sentimentos que verdadeiramente experimenta; enfim, pondo-se no lugar do paciente, exercendo, portanto, a empatia na sua forma mais operacional. Significa, para caminhar junto, o médico não só precisa estar perto, mas também estar do lado de dentro da bolha invisível do paciente.

Para que isso ocorra, deve tentar mantê-lo falando, sem ser interrompido, pelos primeiros dez minutos ou mais, da entrevista. E escutar de forma inteligente, para saber o que fazer com o escutado.

Um estudo da Universidade de Wisconsin (EUA) descobriu que uma conversa de telefone com a mãe é quase tão eficaz quanto um bom abraço porque reduz a taxa do hormônio cortisol responsável pelo estresse. Além disso, libera ocitocina, que causa sensação de bem-estar e, acredita-se, ajuda a formar laços afetivos.

Convém atentar tanto para a comunicação verbal quanto para a paraverbal e a averbal. É importante ter em mente, todo ser humano, qualquer que seja o tema que esteja desenvolvendo, sempre vai estar se comunicando nos níveis verbal, paraverbal e averbal, acerca de si mesmo, acerca dos outros e acerca do contexto imediato da comunicação -, no caso a consulta clínica. Diz-se que está se metacomunicando, quando qualifica o verbal com o averbal para definir o tipo e a qualidade da interação que está construindo com o interlocutor. Convém lembrar que o discurso do paciente, notadamente o da linguagem averbal, é a matéria prima que permitirá ao médico fazer o acompanhamento empático do que está sendo dito.

O que é acompanhamento empático?
Uma estratégia avançada de comunicação semi-diretiva, forma de abordagem clínica que, pelo menos durante os primeiros dez minutos da entrevista, apenas acompanha, sem pretender guiar ou instruir o paciente utilizando, por exemplo, a paráfrase, isto é, repetindo o que o paciente diz com palavras diferentes (Você esta dizendo que... Você quer dizer que... Entendi que você disse...). O acompanhamento outorga ao paciente o papel de "condutor" de seu processo saúde-enfermidade e ao médico o de "facilitador" ou "catalisador" dessa condução, atuando como referencial organizador. Trabalhando com as respostas de acompanhamento o médico ficará sempre no campo da acolhida e nunca no da intervenção diretiva, caracterizada por procurar, de alguma forma, instruir e conduzir o paciente, minimizando a sua autonomia.

Para que serve o acompanhamento empático?  
Para construir um contexto comunicacional que permita ao médico superar os limites da "bolha invisível" do paciente, abrindo espaço para identificar as ansiedades, fantasias, crenças, dúvidas e certezas do enfermo e produzir mudanças terapêuticas nos seus sentir, pensar e agir.  O acompanhamento empático não é uma panacéia, embora seja indicado na maioria das situações clínicas que corresponde a 60% dos atendimentos médicos. Os casos pontuais de vítimas de estupro e outras aberrações sexuais, violência branca e vermelha, desastres e catástrofes naturais, lutos vários, seqüestros, urgências e emergências, personalidades psicopáticas, depressões graves e psicoses, requer estratégias especiais.

Seguem-se dois exemplos de uma mesma consulta clínica com e sem acompanhamento empático.
 
Exemplo clínico 01, centrado na doença, sem acompanhamento empático. 
Médico - Desde quando tem corrimento?
Doente - Há dois anos, desde que nasceu o bebê.
Médico - Coça?
Doente - Às vezes.
Médico - Tem odor desagradável?
Doente - Sim, tem. - Desvia o olhar, baixando a voz.

O médico centrado na doença e não na doente, ignora a sua sinalização AVERBAL de que o odor lhe causa mal-estar, por isso, persiste na tentativa de qualificar os aspectos físicos do corrimento, elegendo o que parece importante para ele, mas não para a paciente. Sendo assim, desqualifica o que ela lhe está comunicando como queixa prioritária (o odor traz mal-estar), e insiste:

Médico - Qual é a cor?

Doente - Bem, é difícil de descrever, é escuro, suponho! - em represália, a paciente reage desqualificando, à sua maneira, a comunicação do médico para indicar, no aqui/agora, que a cor do corrimento não lhe interessa. Naquele instante, lhe é mais importante falar sobre o mal-estar causado pelo odor.

Médico - Mas é branco, amarelo, esverdeado ou acastanhado? Insistindo em centralizar o seu interesse pelo diagnóstico da doença, que não é o mesmo da paciente.

Doente - Pode ser qualquer uma dessas cores! desqualificando, outra vez, a pergunta do médico. É como se estivesse dizendo: Isto não me interessa neste momento!

Médico (impaciente) - Então não sabe me dizer qual é a cor? Nesta altura, a interação clínica atinge um impasse mal-sucedido, com todas as implicações negativas.

Mesmo exemplo clínico 01, agora centrado na doente e não na doença
Como a consulta poderia ter ocorrido se houvesse o acompanhamento empático que possibilita a leitura e a valorização da linguagem averbal da paciente:

Médico - Tem odor desagradável?

Doente - Sim, tem...! - Desvia o olhar, baixando a voz.

Aqui o médico, centrado na paciente e não na doença, é capaz de perceber a comunicação averbal -, desvio do olhar (para baixo), tom de voz (baixo e triste), tonalidade vocal (ansiosa) -, e fazer perguntas de acompanhamento referenciadas pelas mensagens averbais.

Médico - Você está ciente de que o odor lhe causa mal-estar, não é? Acha que outras pessoas têm consciência disso?

Doente - Bem... Sim... o meu marido, sem dúvida (começa a chorar). Quando se agravou no ano passado, ele me chamou a atenção. Eu apenas evito que ele se aproxime de mim.

Médico - E alguém, além de seu marido, disse alguma coisa?

Doente - Bem, na verdade não. Mas hoje em dia não convivo muito socialmente Tenho sempre receio de que outras pessoas se apercebam.. Nunca me sinto confortável na companhia de outras pessoas! -continua chorando. (MYERSCOUGH, 1989)

Esta simples (e, aparentemente superficial) abordagem de acolhida e acompanhamento empático sedimentou uma interação clínica bem sucedida, facilitando o diagnóstico preciso e a prescrição da terapia curativa dos sintomas da paciente.

Reestruturando e reorganizando os campos cognitivo/afetivo através de respostas (Adaptado de PORTER, 1950)
Habitualmente, o paciente chega à consulta trazendo o seu mal-estar, acompanhado de medos, dúvidas e interpretações várias sobre o que está sentindo. Acontece porque a doença desorganiza a percepção, os pensamentos e os sentimentos gerando ansiedade e sofrimentos.

Se o médico, buscando estabelecer um diagnóstico precoce, utiliza os primeiros dez minutos do contato inicial fazendo perguntas focadas tão somente na disfunção (O que você sente? Quando começou? Como se desenvolveu? Quais os fatores de melhora ou piora? Qual a densidade, a textura, a cor da lesão, do excreta, etc.), o diálogo clínico é substituído pelo monólogo médico interrogativo que elimina o discurso do paciente, reduzindo-o a um corpo passivo, objeto de intervenções invasivas e por medicamentos. Por isso, corre-se o risco de transformar a consulta numa relação assimétrica - médico/sábio-paciente/ignorante -, onde se faz importante diagnosticar a doença ignorando o doente. Tal distorção o leva a tratar o paciente como uma coisa mecânica sem discurso próprio e, portanto, sem qualquer importância para o diagnóstico, ignorando a realidade de que existem duas pessoas interatuando contra a doença com os objetivos comuns de prevenir, promover e produzir saúde.

Importância das vivências do paciente sobre a sua própria doença
Compreender como nos construímos o ontem, ajuda a entender o que somos hoje e o que pretendemos ser amanhã. Do meu viés, a regra vale tanto para o médico quanto para o paciente. Por isso, para que a consulta clínica seja fecunda e produtiva é preciso, pelo menos no início da entrevista, que ela seja estruturada a partir das vivências do paciente - que, em tese, sabe mais sobre o seu passado, o seu presente e sobre os seus males do que o médico - e não a partir de teorias e princípios estranhos a estas vivências.

Adotando-se uma atitude de acolhimento interessado, deixando o paciente falar, sem interromper, por pelo menos, dez minutos iniciais; centrando-se nele para acompanhar e validar o seu discurso; e eis o grande segredo -, utilizando dominantemente as linguagens paraverbal e averbal, de forma interativa, o médico se tornará capaz de imergir no mundo subjetivo do paciente e reduzir a sua ansiedade, a partir da identificação de seus desejos, necessidades, incertezas, medos, abrindo espaço para discutir, clarificar e refletir sobre eles. "O ser humano é processador (mental inato):...Falar e escrever são os exemplos mais óbvios de como compreendemos os eventos de nossa vida. Mas o que acontece quando esses modos de comunicação não estão disponíveis? É possível que, em alguns casos, uma enfermidade física tome seu lugar?"
 
Catarse: a importância terapêutica de relatar ao outro os próprios problemas
Por que o isolamento social de uma pessoa é tão prejudicial à sua saúde quanto o tabagismo, a obesidade e o sedentarismo? Talvez pela falta de um interlocutor que propicie ao solitário social partilhar os seus problemas vitais. O mesmo raciocínio pode ser aplicado ao portador de asma brônquica, que melhora a sua capacidade pulmonar depois de relatar para alguém suas experiências problemáticas de vida. (LEADER e CORFIELD, 2009)

Rogério Menezes, escritor baiano, costuma repetir Jorge Amado:  "Escrever" - e nos acrescentamos, ou qualquer outra forma viável de comunicação com o outro - "é sempre terapêutico". E complementa: "Você escreve para não enlouquecer". Na verdade, não vale somente o desabafo em si, mas o desabafo partilhado com o outro. O fato é que não é a preocupação que nos faz adoecer, mas, sim, como processamos esta preocupação (o medo, a angústia e as fantasias sobre o adoecimento), partilhando-os com uma outra pessoa que nos acolhe e nos escuta inteligentemente.

O médico pode ajudar o paciente a processar tais informações simplesmente abrindo espaço para que ele coloque o seu discurso, propiciando condições para que o significado da doença, na cabeça do paciente, se organize e evolua durante o transcorrer da interação. Dessa forma, ele ganha voz na hora de decidir os rumos do tratamento e começa a dividir com o médico a responsabilidade sobre os cuidados com a própria saúde, abandonando um comportamento passivo para assumir maior controle no gerenciamento de sua saúde. (ISTO É, edição 2083, de 0utubro de 2009).

Ao adotar a postura catalista -, aquele que trabalha junto com o doente -, o médico renuncia ao papel de analista -, aquele que pretende interpretar os males do enfermo a partir de um viés teórico adotado e imposto pelo próprio médico.
Para lembrar: Acolher e acompanhar o discurso (verbal, paraverbal e averbal) do paciente facilita a auto-organização e a auto-estruturação das percepções, cognições e afetos deste paciente.

Trabalhando com as respostas do paciente o médico ficará sempre no campo da acolhida e nunca no da intervenção diretiva, reduzindo as possibilidades de "contaminar" essas respostas com o discurso dirigido por abordagens, dos tipos, indicativa, instrutiva, tranquilizadora e interpretativa cujas características são:
Indicativa. Expressa uma opinião indicando como o paciente poderia ou deveria agir: "Na minha opinião..." ou "De acordo com as circunstâncias, e assim que você deve proceder..."

Instrutiva. Visa, de algum modo, instruir o paciente a seu próprio respeito. De maneira direta ou indireta, indica como o paciente poderia ou deveria representar para si mesmo a situação: "Esta não parece ser a melhor maneira de perceber o fato.." ou "Talvez seja diferente do que você pensa..." ou "Você bem que poderia pensar desta forma..."

Tranquilizadora (precoce). Objetiva tranquilizar precocemente o paciente, para aliviar a sua angústia (e a do próprio médico). Funciona como anestésico transitório, paliativo. Pressupõe que o sofrimento do paciente não é justificado, que o problema não é sério, não existe como ele o vivencia: "A coisa não é bem assim..." ou "Acalme-se, tudo pode melhorar.." ou "Você tem forças para superar...", ou "Tenha esperanças de que tudo vai melhorar..." ou "Tenha pensamentos positivos..."

Interpretativa. Pretende ampliar a discussão buscando aprofundá-la sob o viés de uma teoria preferencial do médico. Ela se torna referencial para fundamentar a interpretação dos eventos patológicos e interativos. O médico sugere que o paciente poderia ou deveria examinar mais de perto um ou vários aspectos do problema - em suma, informa que o problema é mais complexo do que ele imagina: "A causa é mais profunda, do que você imagina..." ou "Você não reconhece as causas, porque estão profundamente encravadas no seu inconsciente..." ou "Existem coisas que você ignora, mas que estão influenciando seu modo de sentir, pensar, agir..."

As orientações têm a característica comum de serem diretivas, ou seja, já disse antes, procura de alguma forma, conduzir o paciente, minimizando a sua autonomia.

Diretiva ou não diretiva?  
A interação semidiretiva é melhor do que a diretiva? Absolutamente, não. Na interação médico-paciente há lugar para todas, a depender do momento da anamnese.  E quais são os momentos da anamnese médica? Em termos formais,
seguem-se:

Queixa principal.
História da doença atual.
Antecedentes fisiológicos, patológicos, familiares.
Interrogatório sistemático.  (essencialmente diretivo).
Exame Físico.
Exames especiais: mental, neurológico, outros.
Tudo sobre a égide dos princípios da avaliação multiaxial contextualizada que privilegia as interfaces: mental, somática, interpessoal, pessoal.

Como construir um contexto especial  
Inicia-se com o contato inicial. É onde começa a entrevista (entre duas vistas) que só se completa com a finalização da anamnese - que pretende recuperar a memória que o paciente tem sobre sua doença.

Após a identificação, deixar o paciente falar livremente por, no mínimo, dez minutos, sem interrompê-lo. Procure lidar com o paciente como uma pessoa relacionando-se com outra pessoa, estando atento a ele e às suas necessidades sem precisar interpretar ou intervir sempre. (STEWART, 2010).

Os objetivos são: 1) Estabelecer os alicerces para a construção de uma interação bem sucedida (para o médico e para o paciente).  2) Motivar o paciente a debruçar-se sobre sua própria existência para descobrir os vínculos entre a enfermidade e suas relações com o mundo e com as pessoas importantes de sua vida. Nesta etapa qualquer abordagem diretiva é contra-indicada.

Acolhendo, acompanhando empaticamente e validando o discurso do paciente o médico estará criando um contexto de confiança mútua, capaz de propiciar ao doente a segurança externa no que se refere ao sigilo profissional, o respeito à privacidade e a proteção de sua dignidade; também lhe irá propiciar a segurança interna, possibilitando-lhe superar a vergonha e o incômodo de expor e partilhar a desorganização e a desestruturação de seu mundo subjetivo.

Tudo isso é possível, se o médico for suficientemente hábil para captar as mensagens averbais do paciente e, ao mesmo tempo, comunicar pensamentos e sentimentos com a mesma e "silenciosa" linguagem não-verbal, através de seu próprio comportamento.

Mas, atenção! Só funcionará, se o paciente estiver convicto de que o que está sendo feito é beneficente (vai lhe fazer bem) e não maleficente (poderá lhe causar prejuízos).
 
Linguagem digital e analógica
Os seres humanos se comunicam digital e analogicamente. A linguagem digital (de dois dígitos, sim e não) é verbal e representa o mundo por palavras de significados arbitrários, aceitas pelo consenso. Por exemplo: convencionou-se que os objetos que utilizamos para sentar devem-se chamar "cadeira", em português; se fosse outro o consenso, poderia se chamar "sentanela".

A linguagem digital é competente para comunicar conteúdos e fazer descrições, como por exemplo: dor de cabeça aguda, de um só lado, acompanhada de náuseas e escotomas visuais, que piora com a luminosidade; mas não eventos interacionais dos tipos: atenção, empatia, compreensão.

A linguagem analógica (ou averbal ou icônica) é aquela que se assemelha à mensagem - por exemplo, uma escultura representando uma pessoa. É competente para afirmar o sim, mas é menos competente para dizer o não. Representa o mundo sem palavras, através de posturas, gestos, expressões faciais, tom de voz, ritmo, freqüência da emissão das palavras, vocalismos (ai!, ui!, Hum! Hum!) e quaisquer outras manifestações não verbais de que é capaz o organismo que comunica.

A comunicação averbal possui a curiosa qualidade ambígua e antitética das palavras primitivas.  Ou seja, um mesmo ato pode significar coisas opostas. Há lágrimas de dor e de júbilo; um punho fechado pode assinalar agressão ou contenção; um sorriso pode transmitir simpatia ou animosidade e as reticências podem ser interpretadas como tato ou como indiferença.

Apesar disto, é mais competente que a digital para transmitir emoções e definir a qualidade das relações mediante a expressão facial, a inflexão de voz, o gesto, a postura, a velocidade da fala, sua cadência e suas pausas, as tonalidades emocionais, o suspirar, acenar com a cabeça, sorrir, chorar, etc. A pesquisa "Trust in a teardrop" (Confie numa gota de lágrima), desenvolvida pela Universidade de Tel Aviv, Israel, revela que a lágrima reforça vínculos interpessoais, funciona como um pedido de ajuda e pode aquietar um inimigo. Curiosamente, nem todas as lágrimas são iguais; a sua composição varia com as condições em que se produzem. As lágrimas de proteção ocular são diferentes das lágrimas vertidas emocionalmente.

Sensibilizando o paciente
A linguagem verbal (digital) é excelente para transmitir os conteúdos das mensagens, mas se mostra incompetente para gerenciar as interações afetivas do médico com o paciente. É por isso que não se convence ninguém, dizendo-lhe apenas: "Vamos desenvolver um trabalho num contexto de confiança mútua, onde lhe darei um acolhimento franco, segurança interna e externa e respeitarei os seus direitos". Falando, acaba não convencendo, porque a linguagem verbal no nível de relações costuma soar falso e não funcionar.

Mas, então, como comunicar de forma convincente tais propósitos ao paciente? Transmitindo-os em linguagem analógica (paraverbal, gestual, vocal, averbal), e nunca as recitando em linguagem puramente verbal (digital).

A analogia é sempre eficaz onde ainda não é possível a digitalização (JUNG) como ocorre, por exemplo, na comunicação do adulto com animais, com doentes mentais ou com crianças pequenas. Também onde a digitalização deixa de ser possível, como, por exemplo, em momentos cruciais da interação médico-paciente, pois é ela quem transmite às vivências de acolhimento, atenção, segurança, empatia, validação, reconhecimento, compreensão, respeito, disponibilidade, etc., que não podem ser comunicadas pela linguagem digital.

O forte da comunicação averbal é a capacidade de expressar afetos através de comportamentos, atitudes e posturas, de tal forma, que um sorriso pode transmitir alegria, a aproximação, intimidade, o toque delicado, afetividade, e assim por diante. O exemplo clínico abaixo ilustra que nem sempre a linguagem verbal expressa o que pensa o paciente:

O que se deve contar ao paciente sobre seu real estado de saúde?
Essa é uma discussão complexa. Mas, de uma forma ou de outra, tudo deve ser dito. Eu procuro sentir até onde o paciente deseja mesmo saber. Isso nem sempre é dito em palavras por ele. Pode haver enganos. Certa vez, um paciente com pouco mais de 40 anos sentou-se à minha frente de mãos dadas com a mulher e disse:

"Bem, agora que o senhor fez todos os exames, quero saber exatamente minha situação. Não se preocupe com minha reação. Sou bem-sucedido profissionalmente, tenho uma situação financeira estável e minha família ficará bem se eu vier a faltar. Além de tudo, sou um sujeito racional. Sei lidar com emoções".
Revelei, então, seu gravíssimo problema e a impossibilidade de submetê-lo a uma intervenção cirúrgica, o que provocou a indagação de quanto tempo lhe restava de vida. Pela experiência, em casos dessa natureza, embora nunca seja possível precisar o tempo de sobrevivência, acenei com um tempo em torno de seis meses. O olhar dele se congelou. Ele apertou o braço da mulher e falou:

"Não te disse, querida, que não era nada grave?".

Foi um processo de imediata negação da realidade. Nunca mais esqueci aquele momento.

Segundo entendi, embora tivesse percebido as mensagens averbais - (atente para o que sublinhei), o cirurgião deixou-se seduzir pelos argumentos aparentemente lógicos do paciente e, sem preparo prévio, revelou imediatamente a sua grave condição clínica. Foi "surpreendido" ao constatar que a fala do paciente não expressava seus verdadeiros sentimentos.

A comunicação ritual  
A comunicação ritual (conjunto de ritos), como toda forma de comunicação, utiliza as principais linguagens conhecidas: averbal, verbal, para-verbal. A sua principal característica é ser uma sequência de atividades cênicas, como se fosse uma peça de teatro, com a sua dramaturgia própria, roteiro previsto e atores desempenhando papéis sociais específicos concebidos para influenciar pessoas, principalmente quanto adota a estratégia do encantamento  louvando, invocando, pedindo proteção, confiando no poder e na sabedoria do invisível,  divino, sobrenatural, etc. A grande característica da estratégia de encantamento é falar com ou sobre coisas e  pessoas existentes ou não, ausentes ou presentes,  e seus poderes sobrenaturais: deus, santos, outras divindades, o santo Graal, o colar de  jade, o poder das pirâmides, etc..

A comunicação ritual religiosa constituída por um contexto que mexe com as emoções das pessoas (igreja, terreiro de candomblé, centro espírita, etc.) tem um roteiro próprio - celebração de missa, cerimoniais de candomblé, liturgias de centros espíritas e seus participantes desempenham papéis sociais pré-definidos.

No casamento católico tradicional temos ritos (conjunto de cerimoniais) constituídos pelos desempenhos de noivos, padre, convidados, igreja - tudo se desenvolvendo como numa peça de teatro onde cada deles tem um papel a desempenhar. Exemplo: a noiva só deve chegar depois do noivo; uma chuva de arroz despejada pelos convidados nos recém-casados garante um casamento promissor, e coisas que tais. A intensa influência da comunicação ritual sobre as pessoas é bastante considerável. As noivas costumam dizer que o casamento foi o dia mais feliz de suas vidas.

A comunicação ritual na consulta médica
Na consulta médica o ritual é constituído pelo contexto (consultório, com a indefectível mesa divisória, cadeiras, formulários e demais adereços) e pelos comportamentos pré-definidos que ocorrem dentro dele. O médico deve estar vestido com um uniforme previsto (jaleco), portar tensiômetro e estetoscópio e representar o seu papel de médico - postura e linguagem adequadas à situação.

O paciente, por sua vez, também tem um papel a desempenhar. E ambos um objetivo a alcançar. Tudo seguindo um roteiro básico pré-estabelecido, mas que felizmente comporta inovações.

Repetindo, a comunicação ritual exerce uma influência decisiva no perceber, no sentir, no pensar e no agir das pessoas. Por isso, que é tão importante saber o que é e como funciona. Espero ter tornado mais fácil a compreensão do significado da comunicação ritual.

Da mesma forma, para criar vivências de acolhimento, atenção, segurança, validação, reconhecimento e aceitação que irá produzir mudanças efetivas na pessoa adoecida, deve-se utilizar dominantemente as linguagens analógicas (paraverbal, averbal, vocal e gestual), cuidando de agir, a cada passo, com o máximo de prudência para evitar equívocos. Só assim, se consegue construir uma dinâmica comunicativa "na presença muda, nos olhares, no contato dos corpos, que transcende as formas convencionais da linguagem verbal, indo além dela, além do signo, além da significação, superando a linguagem do contato social". (E mais, ao incluir na partilha de informações) "... os conteúdos que o paciente elabora internamente (consegue-se) obter sentidos imprevisíveis, únicos, irrepetíveis, inusitados, inesperados, a partir das coisas ditas ou silenciadas, lidas ou escritas, vistas ou exibidas, revelando outro mundo em que ocorre toda uma decodificação particular"., incluindo suas angústias, seus sofrimentos e suas fantasias.

Comunicação efetiva
Enfim, se a comunicação clínica é bem-sucedida muda o sentir, o pensar e o agir do paciente em relação a sua doença e a sua vida, facilitando a adesão ao tratamento. E muda exatamente porque a comunicação efetiva bilateral está se fazendo com sucesso.

"A comunicação puramente 'relacional' não interfere em nada, porque não ultrapassa a membrana que isola cada um de nós do mundo circundante. Não obstante, as pessoas mudam. E mudam por causa da comunicação... quando a membrana é atravessada e são revolvidas as certezas instaladas, criando-se a mudança".
 
A experiência de se comunicar com os animais: um exemplo de comunicação averbal
"Observamos um padrão muito interessante de comunicação... entre seres humanos e golfinhos. (...) um excelente exemplo da comunicação analógica. Os animais tinham concluído que a mão é uma das mais importantes e vulneráveis partes do corpo humano. Cada um deles procurava estabelecer contato com um estranho abocanhando-lhe uma das mãos e apertando-a delicadamente entre as mandíbulas, que tem dentes afiados e são suficientemente poderosas para decepar a mão de um golpe. Se o humano se submetia a isto, o golfinho parecia aceitar esta atitude como uma mensagem de completa confiança. O seu movimento seguinte era retribuir a confiança demonstrada colocando a porção ventral dianteira do seu corpo (a sua parte mais vulnerável, mais ou menos equivalente, em localização, à garganta humana) sobre a mão, perna ou pé do homem, assinalando também a sua confiança nas intenções amigáveis do ser humano. Este procedimento, entretanto, está obviamente repleto, a cada passo, de possíveis equívocos".
(Continua na parte 2)

Quem sou eu

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Um ser humano, amigo, que gosta de pessoas; e que tem muitas dúvidas e poucas certezas.
 

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