sábado, 8 de março de 2008

MEDICINA: NOVAS COMPETÊNCIAS, NOVOS DESAFIOS

MEDICINA: NOVAS COMPETÊNCIAS, NOVOS DESAFIOS

José Pinto de Queiroz Filho [1]

"Lamento não estar iniciando meus estudos hoje. As possibilidades de pesquisa atuais são bem mais interessantes do que há quarenta anos, quando comecei", Steven Rose, neurocientista. Declaração feita à revista VEJA, edição 1976, de 04 de outubro de 2006.

Primórdios

Desde os primórdios, pela própria singularidade do labor médico, o estudo das dimensões humanas, distintas da biológica, sempre fizeram parte do ideário da Medicina.

Historicamente, o ser humano sempre divinizou o médico atribuindo-lhe competência para atender às suas múltiplas necessidades, incluindo a escuta e a resolução de suas aflições. Pode-se compreender tal atribuição atentando-se para o fato de que, na origem da Medicina (oráculos, xamãs, feiticeiros), as práticas de saúde eram mediadas por relações deificadas, sustentadas por temáticas religiosas primitivas e/ou do senso comum.

O domínio do biológico

No início do século XX (principalmente, após as duas Guerras Mundiais), desencadeou-se um inconteste e extraordinário desenvolvimento da tecnologia aplicada à Medicina – um caminho sem volta – trazendo incalculáveis benefícios para a humanidade. Junto, o desenvolvimento simultâneo de saberes biológicos - habitualmente, produzidos pelos próprios médicos no exercício de suas práticas -, gerando frutos simultâneos nas áreas investigativas e curativas de ponta. À luz forte das evidências, o clínico sentiu-se estimulado a procurar no corpo as respostas para explicar as doenças. Como conseqüência, diminuiu o seu interesse pela subjetividade do paciente e passou a eleger a abordagem somática como paradigma da prática médica. A abordagem psicossocial foi colocada em segundo plano.

Patologia Biográfica: abordagem tridimensional, biopsicossocial

A partir dos anos vinte deste século (XX) começam a surgir críticas paulatinamente crescentes à maneira pela qual se processa a prática clínica. Existia uma mal estar, que começara a se difundir em alguns meios médicos, principalmente alemães, quando ao desconhecimento recorrente da pessoa dos enfermos por parte dos médicos. Estes os encaravam como meras máquinas corporais, despreocupados com os sofrimentos mobilizados pelo estado da enfermidade nos indivíduos. Mediante esta crítica, se estabelecia uma distinção fundamental, se destacando um outro campo de preocupação tecnológica para os clínicos. Assim, seria necessário considerar além da enfermidade somática propriamente dita, explicada num discurso biológico, a vivência da enfermidade, isto é, os seus efeitos na subjetividade do indivíduo que enferma.” [2]

No evoluir, a ênfase no biológico começou a criar conseqüências paradoxais:

- Os avanços significativos dos saberes e da tecnologia, não conseguiram produzir mudanças profundas na qualidade de vida do paciente; tampouco aperfeiçoar as práticas de saúde fundamentadas em valores humanitários sólidos. [3]

- Incomodados, os próprios usuários do sistema de saúde começaram a cobrar, do médico, mais atenção, acolhimento, escuta, argumentando: tais atitudes são tão importantes para o processo de cura quanto a competência técnica. [4]

- A cientificidade da prática, com ênfase no soma, não está sendo suficiente para diminuir a popularidade da medicina não-convencional, dita, sem base cientifica.

- Enfim, o sucesso da Medicina focada na tecnologia do biológico, que deveria ser acompanhado pelo aumento do grau de satisfação de médicos e pacientes, vem mostrando um número crescente de desiludidos e insatisfeitos. [5]

Inicialmente a receptividade da instituição médica foi nula”. [6], mas influenciada por conceitos oriundos da psicanálise, foi atualizando a validação do sujeito. Na progressão, no momento em que a psicanálise mostrou-se um campo disciplinar atrasado e pré-paradigmático [7], povoado de diversidade de escolas, em que cada uma delas reivindica o domínio absoluto do saber único e universal sobre a psiquê humana -, a medicina foi se desvencilhando, pouco a pouco, dos marcos teóricos da doutrina freudiana e passou a privilegiar os quadros conceituais de outras teorias psicológicas para reinventar seu próprio caminho.

A decisão de validar clinicamente o sujeito biográfico fortaleceu-se na medida em que as dimensões psicológicas e sociais foram se legitimando cientificamente, firmando-se como causalidades de outra natureza -, agentes co-responsáveis no processo do adoecer. Acordou-se, então: a abordagem da doença não pode se processar unicamente dentro de uma visão puramente biológica devendo considerar as vivências decorrentes do adoecimento, bem como o quanto a qualidade de vida - a sensação subjetiva de bem estar - se encontra comprometida. Apesar disso, deve-se atentar para o fato de que “...em todos os quadros conceituais em que a problemática é formulada não se postula que estes fatores psíquicos são exclusivos, mesmo que considerados fundamentais, pois se articulam com fatores outros, de ordem somática, e do seu entrelaçamento causal serão produzidas alguma enfermidades somáticas.[8]

E mais: “Na tentativa de uma definição abrangente, alguns autores priorizam ser (a qualidade de vida) envolvida por todos os aspectos que temporalmente cercam o diagnóstico e tratamento de uma doença e se estendem além da questão médica (mecanicista), incluindo estilo de vida, comunidade e vida familiar. Shin & Johnson sugerem que a qualidade de vida consiste na possessão dos recursos necessários para a satisfação das necessidades e desejos individuais, participação em atividades que permitem o desenvolvimento pessoal, a auto-realização e uma comparação satisfatória entre si mesmo e os outros. Da mesma forma, o "Grupo para Qualidade de Vida" da Organização Mundial de Saúde inclui em sua definição a percepção do indivíduo de sua posição na vida, no contexto cultural e no sistema de valores em que ele vive e em relação a seus objetivos. [9]

Por conseqüência, os eventos biográficos do sujeito revitalizam-se no campo dos saberes e da prática médica, impulsionando o clínico a se ocupar, outra vez, com os aspectos psicossociais de seus pacientes.

Para implementar tais habilidades, os currículos das escolas médicas estão sendo reformulados com a introdução de novas disciplinas essenciais para o aprendizado das novas competências, com status idênticos àquelas ditas biológicas. Hoje, o seu braço clínico mais importante são as disciplinas Semiologia Mental, Psiquiatria e Psicologia Médica, as duas últimas ministradas na maioria das escolas de Medicina.

Some-se a isso, a tentativa de sistematizar novas (!?) habilidades, tais como:

1 – A COMUNICAÇÃO CLÍNICA, como procedimento privilegiado para o sucesso do ato médico

A comunicação é a essência de qualquer atividade humana. Em Medicina, sempre foi onipresente, a cada passo. Dada a sua relevância no exercício da prática médica, a tendência atual é considerar o aprendizado pragmático da comunicação clínica como nova (?!) habilidade instrumental indispensável para a construção de uma relação médico/paciente bem-sucedida, base do sucesso de tudo mais que lhe sucede - diagnóstico, prognóstico, terapêutica.

2 – Terapêuticas NÃO ALOPÁTICAS

O uso das drogas, altamente necessárias quando bem indicadas, se utilizadas isoladamente nem sempre é suficiente para atender ao paciente como o todo que ele é. Além disso, a medicalização, pura e simples, estimula a sua passividade, tornando-o menos capaz de co-participar de seu próprio tratamento. Para capacitar-se às novas exigências, o médico não especialista passou a se familiarizar com outras formas de terapia não/alopática -, naturais, vicinais, psicoterápicas.

3 – VIESES mais amplos

A patologia do ser humano não se resume ao soma. É muito mais que isto. “Realizar o diagnóstico no nível lesional ou no disfuncional seria manter-se no plano superficial da enfermidade.[10] A patologia está localizada no corpo anatomopatológico, mas também no corpo afetivo e no corpo das inter-relações pessoais. Por isso, não se pode ignorar “... coisas fundamentais como de que o doente é antes de mais nada uma pessoa que sente e sofre como qualquer outro humano, principalmente quando se defronta com a experiência e a possibilidade da morte.“ [11]

Os que se concentram nos dados somáticos, dando pouca importância aos fatores biográficos, ignoram que só podemos exercitar, com eficácia, a nossa atividade clínica quando nos centramos no paciente como sujeito, valorizando a sua totalidade biopsicossocial.

4 – Incursões na área SOCIOECONÔMICA

A onipresente dificuldade socioeconômica da maioria dos enfermos de nosso país é outro dado que impele o médico a ampliar a percepção do processo saúde-doença para além do enquadre clínico da consulta tradicional.

Enfim, são novas competências e novas responsabilidades próprias da prática médica do século XXI que tem o objetivo de promover a saúde do paciente na sua integralidade biopsicossocial.

Concluindo

A Medicina, nos primórdios, ocupava-se em compreender o ser humano. As evidências de que o corpo é a causa primeira das enfermidades, levou o clínico a privilegiar a explicação da doença, em detrimento da compreensão do doente. O vínculo explicativo (causal) predominou (e, de certa forma, ainda predomina) sobre o vínculo compreensivo (significado). Posteriormente, os fatores psicossociais começaram a ser implicados como co-responsáveis na precipitação e/ou na manutenção das enfermidades, e o clínico viu-se obrigado a revalidar o liame compreensivo. O novo olhar também exigiu, das escolas médicas, mudanças nos currículos para adequá-los aos novos tempos.

Pós-conclusão: a propósito de CRÍTICOS

Com a ampliação das perspectivas semiológicas e terapêuticas no espaço da prática médica -, que ratificou a hegemonia médica na área de saúde -, surgiram críticos e opositores. BIRNE resumiu a questão numa frase emblemática, quando criticou a orientação clínica de BALINT: “A Medicina se transforma miticamente na promotora da felicidade humana, na medida em que tende a se ocupar de uma parcela crescente dos conflitos apresentados pelos indivíduos no seu cotidiano”. [12]

Das críticas, emergiram acusações. Comentaremos duas:

1. O expansionismo da Medicina converte o profissional num representante dos interesses das elites, “lugar estratégico do controle político das massas”. (BIRMAN, 1980)

2. O médico resiste a dividir o poder e a hegemonia na área de saúde.

Discordo de ambas. No meu entender, trata-se de uma avaliação equivoca dos profissionais de saúde de atribuir, a cada médico, a competência pelo campo todo da Medicina.

Por conta desta perspectiva destorcida, outros críticos defendem a necessidade de se fragmentar a Medicina em novas profissões múltiplas e delimitadas, sob a alegação de que os saberes médicos se agigantaram de tal forma que não podem mais ser domínio de uma só profissão.

Os médicos estamos cientes de que a Medicina (e não somente a Medicina) possui saberes e práticas cujas amplitudes nenhum profissional, individualmente, é capaz de abarcar. É certo que, genericamente, somos melhores informados do que o leigo, e menos que um colega especialista, mas tal constatação não implica em expansionismo ou na necessidade de manter, a todo custo, o poder e a hegemonia. No meu entender, tal postulação traduz uma tentativa ingênua de fragmentar as práticas para reduzir a influência do médico na área de saúde. Esquecem-se, no entanto, o que nos faz um grupo profissional coeso é exatamente a formação básica, comum, que todos temos de adquirir antes da especialização. Este é o fundamento que nos torna uma classe profissional indivisível, apesar das especializações.

LIVROS E TEXTOS CONSULTADOS

1. BIRMAN, Joel, Enfermidade e Loucura, Ed. Campus, RJ, 1980.

2. BALINT, Michael, O médico, seu paciente e a doença, Atheneu, Rio de Janeiro/São Paulo, 1975.

3. DELAY, Jean, PICHOT, Pierre, Manual de Psicologia, Toray-Masson, S.A. Barcelona, 1966.

4. FRANCISCO B. ASSUMPÇÃO JR., EVELYN KUCZYNSKI, MARIA HELENA SPROVIERI, ELVIRA M. G. ARANHA, Escala de avaliação de qualidade de vida, Arquivos de Neuro-Psiquiatria, v.58 n.1 São Paulo mar. 2000.

5. CAPRARA, Andréa; RODRIGUES, Josiane, A relação assimétrica médico-paciente; repensando o vínculo terapêutico (a.caprara@flashnet.it).

6. KUHN, T, A estrutura das revoluções científicas, São Paulo, Perspectiva, 1970.

Endereço para correspondência

Rua Wanderley Pinho, 243/1003, Itaigara, SSA, BA, 41815-270.

Escola Bahiana de Medicina e Saúde Pública, Ladeira de Nazaré, s/no., Salvador, BA.

Tel: 71 34917724 e 71 81823839.

mrjustice@oi.com.br



[1] Professor Adjunto de Psiquiatria e Semiologia Mental da Escola Bahiana de Medicina e Saúde Pública.

[2] BIRMAN, Joel, Enfermidade e Loucura, Ed. Campus, RJ, 1980, pg. 91.

[3] CAPRARA, Andréa; RODRIGUES, Josiane, A relação assimétrica médico-paciente; repensando o vínculo terapêutico (a.caprara@flashnet.it)

[4] DELAY, Jean, PICHOT, Pierre, Manual de Psicologia Médica, Toray-Masson, S.A. Barcelona, 1966.

[5] Ibidem.

[6] BIRMAN, Joel, Enfermidade e Loucura, Ed. Campus, RJ, 1980

[7] KUHN, T, A estrutura das revoluções científicas, São Paulo, Perspectiva, 1970.

[8] BIRMAN, Joel, Enfermidade e Loucura, Ed. Campus, RJ, 1980, pg. 93.

[9] In Escala de avaliação de qualidade de vida, FRANCISCO B. ASSUMPÇÃO JR., EVELYN KUCZYNSKI, MARIA HELENA SPROVIERI, ELVIRA M. G. ARANHA, Arquivos de Neuro-Psiquiatria, v.58 n.1 São Paulo mar. 2000.

[10] BALINT, Michael, O médico, seu paciente e a doença, Atheneu, Rio de Janeiro/São Paulo, 1975.

[11] BIRMAN, Joel, Enfermidade e Loucura, Ed. Campus, RJ, 1980, pg. 73.

[12] BIRMAN, Joel, Enfermidade e Loucura, Ed. Campus, RJ, 1980, pg. 82.

sexta-feira, 15 de fevereiro de 2008

MENTE HUMANA - A PRIMA DONA

A prima dona deste blog é a Mente Humana. O objetivo a atingir é aprender a identificar suas funções, investigá-la clinicamente e intervir terapeuticamente sobre seus transtornos.

Ao que tudo indica o cérebro é o órgão essencial da mente. Não significa, no entanto, que, por si só, seja capaz de produzir atividades mentais. Ele necessita tanto da matéria prima – estímulos, internos e externos – como do “resto” do corpo – para nutri-lo com glicose e oxigênio – e para funcionar como instrumento de expressão.

Mas de qual mente estou falando? A mente humana que interessa ao médico é aquela que tem raiz no biológico e expressão no social. É, exatamente, entre o biológico e o social, que emerge o processamento mental, ou seja, a mente humana em funcionamento, vivida subjetivamente pela pessoa como seu mundo interior -, formas de estar consciente, de perceber, de sentir e de pensar, que são os determinantes internos do agir. Como conseqüência, toda vez que o biológico é danificado (nos vários níveis e por causas múltiplas) ou o social transgredido (através da comunicação patológica) o processamento mental de informações das pessoas fica perturbado.

Portanto, a minha diretriz é estudar a mente humana como um fenômeno vital que tem no cérebro o seu substrato orgânico axial; e é sustentado e alimentado pelo corpo e pelos estímulos extracerebrais. É este fenômeno vital que me permite estar consciente para perceber, sentir, pensar e agir.

Fundamento 01

A mente humana só pode existir se houver um cérebro vivo e funcionante sustentado pelo corpo e pelos estímulos extracerebrais.

Esta ligação vital da mente com o cérebro vivo é mostrada no dia a dia da prática clínica, de forma aguda e dramática, quando topamos com indivíduos traumatizados de crânio, geralmente adolescentes ou adultos jovens vitimados por acidentes de veículos. É penoso e desolador vê-los mergulhados no coma profundo (cárus) com a consciência abolida e sem qualquer possibilidade de fazer contato com o meio. Pior, no entanto, por ser irreversível, é o estado de coma depassé ou coma vegetativo na qual o cérebro morre, literalmente. Diz-se, então, que o indivíduo descerebrou. A sua vitalidade fica reduzida a de uma preparação experimental coração-pulmão em que nem as funções vegetativas se sustentam espontaneamente, sendo necessário a manutenção ininterrupta da respiração artificial, da reanimação cardíaca e do tratamento do choque volêmico. Naturalmente, morrendo o cérebro também morre a mente e, sem ela, o indivíduo deixa de ser pessoa e se transforma num autêntico vegetal de carne.” [1]

Evidência clínica

Uma mulher com morte cerebral, foi mantida “viva” por quase três meses para que seu bebê pudesse se desenvolver. A criança, prematura, nasceu, após sete meses de gestação, com 800 gramas, através de uma cesária. Encontra-se em observação na UTI neonatal de um hospital em Arlington, Virgínia. O tio da menina, batizada como Susan Anne Catherine Torres, disse que não houve complicações no parto e que a bebê passa bem. O hospital não revelou informações sobre as condições de saúde da mãe após o parto.

A mãe, Susan Torres, sofreu um derrame no dia 7 de maio de 2005, após um câncer, que não havia sido detectado, ter atingido o cérebro. À época, ela estava no quarto mês de gravidez de sua segunda filha. O marido dela, Jason, deixou o emprego e passou os últimos três meses ao lado da mulher. [2]

Discussão

Indivíduo, pessoa, sujeito são três palavras usadas para caracterizar o ser vivo. São utilizadas, na linguagem comum, com sentidos assemelhados; na linguagem clínica, opta-se por significados específicos que ajudam a objetivar três diferentes status clínicos:

  • Indíviduo – Designa, apenas, as propriedades biológico-individuais que permitem ao ser vivo simplesmente existir. Indivíduo é o componente específico de cada comunidade – o cavalo, na manada, o peixe, no cardume, o homem/a mulher, na sociedade humana.
  • Pessoa – Indivíduo com personalidade em formação ou desestruturada, consciência incompleta de si e do contexto, incapaz de exercer a sua vontade, dirigir a sua vida em níveis pessoal e social e construir criticamente a sua biografia. Na clínica, refere-se à criança, ao psicótico, ao demente e ao deficiente mental grave.
  • Sujeito – Pessoa com personalidade desenvolvida, consciência plena (até o possível), capaz de exercer a sua vontade (até o permitido pelo consenso social), gerir as vidas pessoal e social e construir a própria biografia (administrando as circunstâncias).

Qual o status clínico de Susan?

Descerebrada (cérebro morto) pela metástase neoplásica, qual o status clínico de Susan?

  • De indivíduo? Sim. Apesar da morte cerebral, ela continua sendo um indivíduo pertencente ao gênero humano com arcabouço físico/biológico (organismo) competente para persistir vivendo, ainda que de forma assistida, em nível vegetativo, isto é, sem consciência, sem perceber, sem sentir, sem pensar e sem agir voluntariamente, impossibilitado, portanto, de experienciar a dimensão subjetiva e exercer a vida de relação.
  • De pessoa? Não. Por estar inabilitada para perceber, sentir, pensar e agir voluntariamente, ainda que de forma incompleta.
  • De sujeito? Também não, pelas razões citadas acima, com muito mais completude.

Na verdade, os médicos não prolongaram a vida da professora, esposa e mãe Susan Torres que já estava morta - o sujeito morre com a morte do cérebro. Ajudaram, sim, a manter em funcionamento uma máquina biológica impessoal, desprovida da dimensão subjetiva, isto é, da competência para perceber, sentir, pensar e agir interativamente com o contexto vital e ter consciência disto - o que bastou para dar seguimento a gravidez, até a consumação do parto.

Dimensão subjetiva: a mente humana vivida de “dentro” para fora

Sentado em frente do computador, tento escrever o presente texto. Silenciosamente, somente eu e os meus pensamentos. Pensamentos privados que só existem dentro de mim, no espaço virtual das minhas vivências.

Vivo a minha mente como um processar ininterrupto de informações. Aqui, estou consciente (conheço meu próprio conhecimento) de que quero escrever um artigo sobre a mente humana, para ajudar no aprendizado de médicos e estudantes de Medicina. Posso pensar só para mim, dentro de mim. Mas se escrevo, não o faço somente para mim, mas também para me comunicar com os outros.

Também sei, e estou ciente que sei, meu objetivo, agora, é o de colocar no papel informações de como funciona a minha própria mente, percebida por mim, de “dentro” para fora. [3]

Sendo assim, estar consciente, perceber, sentir e pensar são eventos que ocorrem na mente interior (intracerebral). Resultam do processar ininterrupto de informações, vivido pela pessoa como experiências subjetivas (ocultas para o observador). O agir (atitudes, comportamentos, ações) é o único evento objetivo (explícito, observável, à vista de todos) resultante do processamento subjetivo de informações – a mente em ação - que pode ser percebido pelos outros enquanto está acontecendo.

Realimentação e enriquecimento

Excetuando-se as premissas que persistem na consciência, nada mais se mostra pré-definido. Sinto tudo como um vir-a-ser que vai se organizando, no aqui/agora, como se eu estivesse construindo um caminho com o próprio caminhar.

Os pensamentos vão se articulando até que emerge a seguinte reflexão: habitualmente sou capaz de perceber 7 a 9 informações[4] por segundo. Multiplicadas por 60 segundos terei 420 a 540 informações percebidas, por minuto. Muito aquém de um computador simplório, capaz de processar milhões de informações por segundo. Mas, espere! Aqui, tudo indica, existe um paradoxo. Se o computador é capaz de processar informações em maior quantidade e maior velocidade, por que o meu cérebro mostra-se mais competente (e bote competência nisto) para viver e se adequar ao contexto vital?

Parece, penso comigo mesmo, a questão não se limita a processar informações em maior quantidade e em maior velocidade. Vai mais além. Meu cérebro é capaz de relacionar cada informação com constelações[5] de outras informações pertinentes. E cada uma dessas novas informações, traz novas constelações, isto é, um conjunto entrelaçado de tradição, valores, crenças, modelos abstratos, representações simbólicas, métodos e exemplos de procedimentos, aprendidos por semelhança e iniciação, proporcionando uma realimentação interminável. Sendo assim, no final de contas, os desdobramentos me dão, por vias transversas, muito mais informações, na unidade de tempo, do que a que pode processar o computador. E mais; o meu cérebro tem a competência (que falta ao computador) para selecionar informações pertinentes, afinadas com os objetivos que pretendo atingir, recortando-as de um todo em permanente crescimento.

Fundamento 02

O que faz a mente humana?

Em última instância, e já dissemos antes, capacita o homem a processar informações tornando-o competente para perceber, sentir, pensar, agir e estar consciente destas vivências.

Experiência subjetiva do processamento de informações

Vou ilustrar a atividade subjetiva da mente humana (no caso, a minha mente), como experiências internas de processamento de informações, relatando as minhas vivências subjetivas de um caso clínico que mostra também ser possível fazer uma abordagem biopsicossocial, mesmo com as limitações de um atendimento de emergência.

Aconteceu, em 2007.

Era um dia de domingo. Havia acabado de fazer uma deliciosa refeição, regada a um bom vinho, e estava me sentindo leve, solto, descontraído.

Então, fui para o meu gabinete com planos de checar e-mails e, a seguir, iniciar a leitura de um dos livros da longa fila de espera.

O interfone toca, no exato momento em que me sento diante do monitor. Minha filha atende, e me passa a mensagem: é do porteiro do edifício que me pede para dar socorro médico a uma mulher que está desmaiada, num apartamento do nono andar. Moro no décimo. E diz mais: lá só tem mulheres, que estão apavoradas e não sabem o que fazer!

Neste instante, como num passe de mágica, deixo de me sentir como a pessoa descompromissada e descontraída; o meu processamento mental de informações, isto é, a minha mente em funcionamento, me faz agora perceber, sentir e pensar como um médico pronto para a ação.

Pego tensiômetro e estetoscópio, e começo a descer as escadas formulando hipóteses para antever, adivinhar, o que vou encontrar. (Mulher desmaiada... Seria AVC, trauma crânioencefálico, transtorno cárdiocirculatório, ou simplesmente excesso de bebidas?)

A minha filha, que desceu antes de mim, está me esperando na porta do apartamento e diz: - Ela está se batendo, toda! (Penso logo: Crise convulsiva?)

Entro no quarto e me deparo com a seguinte cena: uma mulher (de agora em diante, vamos chamá-la de paciente), deitada de costas, numa cama, com os pés apontados para a cabeceira, consciente, gritando, chorando e se debatendo freneticamente.

É jovem (mais ou menos 28 anos), branca, está seminua -, vestida somente com calcinha e contida por outras três mulheres: uma mulata avantajada, segurando o braço direito; outra, negra, altiva, magra, elegante, segurando o braço esquerdo; parece vestida para sair. É a mais velha, e aparenta ter entre 45/50 anos. A terceira, uma adolescente (16 anos), branca de cabelos pretos, contém firmemente as pernas da paciente.

De imediato, o meu processamento mental - a minha mente em ação - reorganiza os meus pensamentos, para adequá-los à realidade. Mas que realidade? A realidade de uma pessoa que, dentro do contexto de um quarto, junto com três outras pessoas, está exibindo um aparente descontrole emocional e motor que precisa ser investigado. Numa rápida verificação, observo, os seios estão edemaciados.

Cumprimento a todos, e me aproximo da paciente pelo lado que me parece mais acessível, no caso o esquerdo, e pergunto:

Como é o seu nome?”

Quem responde é a adolescente:

O nome dela é Marta! Ela é a namorada de meu pai

Ela já teve isto antes?”

- responde a adolescente ainda segurando firmemente as pernas da paciente –, mas desta vez foi pior!

Toco no braço da paciente e lhe digo:

Marta, vou precisar verificar o seu pulso e medir a pressão arterial!”

Ela não me responde verbalmente, (a propósito, durante todo o atendimento, as suas respostas sempre foram averbais), mas pára de movimentar o braço, permitindo-me palpar o pulso e medir a PA.

Os dados vitais estão nos limites da normalidade. Ao ver o resultado no tensiômetro digital, a mulher mais velha, que ainda está a meu lado, exclama: “A tensão está normal!” Concordo, olhando para a paciente, e falando enfática e serenamente com o objetivo de informá-la (a paciente): - “Sim, a pressão arterial está normal, e o pulso também. E isto é muito bom!

A seguir, a mulher mais velha se afasta, sai e retorna ao quarto, falando num telefone celular.

A essa altura, a paciente parou de se debater, mas ainda ensaia alguns movimentos com a cabeça. Faz um curto silêncio, e recomeça a chorar, gritando:

- Meu braço, meu braço direito, está dormente! Vou morrer, sei que vou morrer!

Intervenho, de imediato, utilizando uma estratégia terapêutica. Sei, pessoas como a paciente em estado de crise de ansiedade aguda (CAA), costumam ser hiper-sugestionáveis. Por isso, para acalmá-la, uso sugestões verbais e averbais como se estivesse interagindo, com uma criança assustada. Digo-lhe, num ritmo firme, mas com tonalidade tranqüila: - “Você não vai morrer! Você vai ficar bem!”

Pego seu braço direito, aperto delicadamente (suavemente) a polpa do dedo indicador e mostro para ela, dizendo: - “Olhe, o seu braço está muito bem, cheio de sangue, vivo e saudável!

Continuo falando sempre de forma firme e tranqüila.

Observo que ela começa a relaxar o corpo, como se estivesse parando de lutar. Peço a adolescente para libertar as pernas. Ela diz: - “Só estava segurando para ela não se machucar!

Registro a informação e pergunto: - “Por que seus seios estão inchados?

- “Porque ela fez cirurgia de mama há oito dias!

- “Plástica?”

- “Sim!”

- “Ela também tomou 25 comprimidos de Valium!”

- “25? Quando?”

- “Há três dias, não foi mãe?”

- “A mãe, a mulher negra, concorda. [6]

Para quê?”, pergunto.

Para se matar...!”, responde a adolescente.

Ela já tentou se matar, antes?”

“Não, mas já ameaçou algumas vezes!”

Faço, interiormente, uma hipótese diagnóstica do que estou testemunhando.

No entender da minha mente em ação, os sinais e sintomas expressos, são mecanismos de defesa de uma pessoa frágil que não está sabendo lidar com o seu contexto vital, e estão se explicitando através de ações biopsicossociais.

  • O descontrole das funções biológicas se mostra através de sinais e sintomas primários, quase infantilizados: gritos, choro, oscilações do humor, dramáticas e exageradas, parestesia dissociativa e ataxia, representada pelos incoordenação motora -, o debater do corpo.

  • O componente psicológico emerge, no quadro geral, como metáforas de gritos de socorro. As suas reações de defesa parecem estar dizendo: “Estou sofrendo!”, ”Prestem atenção em mim!”, “Minha auto-estima está baixa!, ”Preciso de carinho!”, “Preciso de ajuda!”.

Nesta altura a paciente se mostra tranqüila, relaxada, semi-adormecida. Mas, pergunto a mim mesmo: (“Por quanto tempo? Até quando irá durar a trégua?”).

O meu processamento mental, a minha mente incansável em ação, hipotetiza: (Se os mecanismos de defesa são desencadeados por relações conturbadas, os seus interlocutores funcionam como petardos perigosos prontos para atingir a paciente, através de frases desqualificantes, insinuações, atitudes averbais dúbias e outras formas sutis de agressão. Se isso for assim, trata-se de um processo de comunicação patogênica que, se não for trabalhado terapeuticamente, continuará alimentando indefinidamente as reações de defesa).

Próximo passo

(Enquanto reflito sobre o próximo passo, peço um cobertor).

A adolescente dirige-se para a mãe, e diz: - “Mãe, o doutor está pedindo um cobertor.”

A mulher me entrega o cobertor e cubro a nudez da paciente.

Tudo tranqüilo, tudo pacificado, está na hora de sair.

A mãe da adolescente, pergunta: - “Isto não é histeria?”

Replico: - “O nome mudou. Histeria vem de hister, útero em grego, e nomeava a síndrome de furor uterino. As mulheres, somente elas, teriam esta reação por falta de atividade sexual. Hoje, sabemos, tanto a mulher, quanto o homem, o cavalo, o elefante apresentam reações similares!”

- “Qual é, então, o nome?”

- “Reação de ansiedade aguda!”

A mãe pergunta: - “Doutor, o que o Sr. recomenda?”

- “Que ela seja acompanhada...”

- “... Por um psiquiatra?”

- “...sim...”

- “Acabei de falar com o médico da família, e ele me pediu para levá-la ao Aliança (hospital de elite, de Salvador). Ele quer fazer uma avaliação geral. O que o senhor acha?”

- “Acho interessante, contanto que se lembre; precisa providenciar o acompanhamento psiquiátrico...”.

Chega a hora das despedidas.

Cumprimento a todas, e a paciente digo: - “Adeus Marta. Lembre-se, você tem o direito de ser feliz!”.

Antes de sair, escuto o corriqueiro e emblemático agradecimento: - “Obrigado, doutor!”

Começo a subir as escadas, enquanto o meu processamento mental, a minha zelosa e operosa mente em ação, começa a abandonar a postura de médico e, ao chegar ao topo, volto a ser a mesma pessoa, solta e descontraída, de antes.

Resumo

Pode-se conceituar a mente humana a partir de diversos olhares. A que me interessa tem raiz no biológico e expressão no social. Emerge funcionalmente como um processamento contínuo de informações produzido pela atividade de um cérebro vivo e funcionante, interagindo com os estímulos extracerebrais, possibilitando-me perceber, sentir, pensar, agir; e estar ciente de tudo isto. Significa, a mente humana funciona processando informações (dados, imagens, emoções, instruções) que emergem num espaço virtual delimitado de um lado, pelo cérebro (e resto do corpo), e de outro, pelos estímulos perceptíveis do ambiente vital. Sua experiência interior é uma representação privada da realidade “dentro” desse espaço virtual, experimentada pelo sujeito, mas oculta para quem observa “de fora”.

Tais representações têm elementos muito mais próximos de algo que podemos verificar por nós mesmos, muito mais próximos do nível concreto. Por exemplo, você talvez nunca tenha visto, ouvido ou tocado num "id" ou numa "anima", mas certamente pode comprovar por si mesmo quando está gerando uma imagem interna ou ouvindo um diálogo, de você com você mesmo, vindo lá de dentro dizendo o que você fez ou precisa fazer.



[1] QUEIROZ Filho, José Pinto de. Função, Disfunção e Controle da Mente Humana: Fundamentos de Psiquiatria para a Clínica Diária. Editora Universitária Americana. Salvador, BA, 1991.

[2] http://www.bbc.co.uk/portuguese/reporterbbc/story/2005/08/050803_bebeeuams.shtm

[3] “Dentro”, vivido como um espaço virtual interior, prenhe de vivências não percebidas pelo interlocutor salvo se as compartilho com ele (espontânea ou involuntariamente) através de palavras, gestos, posturas, ações e outras formas de expressão.

[4] Informação, entendida como tudo que tem significado para o ser humano: a música, o sonho, o beijo, a saudade, as cores, as flores, a violência, etc.

[5] Conjunto entrelaçado de sentidos e significados, compartilhados por membros de um coletivo de pensamento,

[6] Ao que parece, convivem juntos: a paciente (namorada do pai da adolescente), e a mãe da adolescente, mulher (ou ex-mulher?) do namorado da paciente.

quinta-feira, 14 de fevereiro de 2008

SEMIOLOGIA DAS FUNÇÕES MENTAIS

José Pinto de Queiroz Filho [1]

SEMIOLOGIA MENTAL

Sabemos, quando se perdem neurônios perdem-se funções mentais.

Em Medicina, a semiologia mental ocupa-se das funções mentais em suas modalidades regulares e alteradas, isto é, “normalidades”, anormalidades e patologias do estar ciente, do perceber, do sentir, do pensar e do agir.

Pretendo, neste breve ensaio, fazer um relato sucinto das principais bases teóricas e práticas que embasam o conhecimento e a explicação sobre o cérebro e as funções mentais, sem qualquer pretensão de perfeição epistêmica, pois, acredito não se pode saber tudo quanto há, a saber, sobre a mente humana; e, tenho dúvidas se um dia se saberá, pois ela é uma constante mutação. Mas nada me impede de privilegiar os conhecimentos atuais.

ELEMENTOS BASILARES DO FUNCIONAMENTO MENTAL

Não existe mente sem cérebro

É óbvio, em biologia: não existe função sem um órgão que lhe sustente. Por isso, se não conhecermos os fundamentos do que faz um órgão, corremos o risco de construir conjeturas fictícias sobre o seu funcionamento, dissociado do real tangível.
Quem faz a função é o órgão; e a função multiplica-se em novas funções num contínuo devir.Por exemplo: não se pode compreender e explicar as funções hepáticas sem o conhecimento prévio da estrutura, das atividades e das interações do fígado com os contextos do organismo e do meio-ambiente.

Da mesma forma, para entender as funções mentais é preciso conhecer, antes, o básico da estrutura celular, das atividades e das interações do cérebro com os contextos do organismo e do meio-ambiente -, variáveis fundantes, alicerces primários que propiciam a explicação e a compreensão mais confiável do que se conhece e do que se pretende conhecer sobre o funcionamento mental.

Regra de Ouro

Para quem pretende reconhecer as funções mentais, diagnosticar as suas patologias e intervir terapeuticamente sobre elas é da maior relevância conhecer o básico da estrutura, das atividades e das interações do cérebro com os contextos vitais internos e externos -, alicerces primários que articulam o órgão com o real para construir o mental.

As funções do cérebro

No passado, ignorava-se a importância do cérebro na economia do organismo. Sede da mente humana? Nem pensar! Ninguém levava muita fé numa víscera pálida, imóvel, de difícil acesso, que pesa, em média, um quilo e meio e é formada por uma massa de consistência mole, amarelada, enrugada, cheia de reentrâncias que lhes dá uma aparência envelhecida. Porque ficava no alto da cabeça postulou-se, tratava-se de um aparato responsável pela refrigeração do corpo (GALENO) [2].

O fim do dualismo mente-corpo

O dualismo mente-corpo – o corpo mortal servindo de morada para uma alma imortal - dominou por muito tempo o pensamento científico até a descoberta de Luigi Galvani (1737-1798), cientista italiano, que lhe desferiu o mais rude e duro golpe. Aplicando uma corrente elétrica nos terminais nervosos da pata de uma rã, verificou que ela percorria o trajeto das vias nervosas, atingia os músculos - que se contraiam ou distendiam – produzindo movimentos na pata. Descobriu, assim, o fundamento de todo movimento animal, aposentando, de uma vez por todas, a alma, também denominada de força vital e tida como responsável pelos movimentos, sentimentos, pensamentos e ações dos seres vivos.

Tal descoberta, chamada por Walter Grey[3] de A Chave Elétrica do Cérebro, passou a explicar todo movimento humano com fundamento na contração e distensão dos músculos estriados.

Tudo ficou elucidado sem ser necessário recorrer à força vital que foi substituída pela corrente eletroquímica. Dos gestos mais simples – acenar com as mãos ou piscar um olho - aos mais sofisticados – pilotar um Boeing, tocar piano, fazer cirurgia da retina - todos resultam de seqüências ordenadas de contrações e distensões musculares produzidas pela ação das correntes eletroquímicas nos músculos do organismo.

Cérebro e funções mentais

A opinião dominante entre os estudiosos do cérebro nos dias de hoje (2008), credita ao cérebro humano, entre outras competências, a de propiciar ao indivíduo perceber -, e estar ciente de que percebe; sentir -, e estar ciente de que sente; pensar -, e estar ciente de que pensa e agir -, e estar ciente de que age.[4]

Além disso, comparando-se as funções de qualquer outro órgão do corpo com as funções do cérebro, constata-se, somente o último propicia ao sujeito ficar ciente de si e do mundo, tornando-o capaz de ter uma experiência, sentir a experiência e tomar conhecimento de que está vivendo tal experiência. (DAMÁSIO, 2000). Esta seqüência contínua é vivida pelo sujeito como vivências subjetivas, ou mentais. [5]

Postula-se, o estar ciente constitui a característica mais importante dos fenômenos mentais de um ser vivo e que, em níveis mais diferenciados, seria (quase) exclusiva do ser humano.

Sendo assim, podemos dizer tautologicamente que as principais funções mentais são: o perceber, o sentir, o pensar, o agir, e o estar ciente do percebido, do sentido, do pensado e da ação. São funções biológicas que emergem das atividades dos neurônios cerebrais e que só podem existir se houver um cérebro vivo e funcionante. Provas? Simplesmente, uma: se o cérebro morre, morrem com ele todas as funções mentais.

Por tudo isto, o cérebro é a condição sine qua non para garantir a existência das funções mentais conscientes e não conscientes; mas não é suficiente per se para manter, desenvolver e operacionalizar tais funções porque precisa do “resto” do corpo e dos estímulos extracerebrais.

Distinções entre cérebro e mente

Acredite se quiser! Apesar da descoberta de Galvani, ainda existem teóricos (religiosos e não religiosos) que insistem em defender o dualismo mente-corpo. Costumam ter opiniões radicais antagônicas: num extremo, a de que a mente é sinônimo de cérebro; no outro, a de que é uma entidade completamente separada do cérebro, espécie de princípio transcendental que faz funcionar a máquina chamada cérebro.[6]

Entre as duas opiniões discordantes posiciona-se a hipótese de que a mente é um complexo processamento biológico de informações que emerge de um cérebro vivo e funcionante – e que desaparece com a morte do órgão que a sustenta. As evidências científicas, descobertas até agora, parecem convergir para confirmar a última opção.

O cérebro é uma víscera

O cérebro é uma víscera e a mente um processamento de informações que se desenvolve dentro do cérebro. Entretanto, à semelhança de dois lados diferentes de uma mesma moeda, ambos são, na verdade, interfaces de um mesmo todo. Sendo assim, separá-los em duas partes distintas é mero recurso didático nem sempre bem-sucedido particularmente no que se refere ao quesito, o que faz. Senão vejamos:

Cérebro

O que é: um órgão situado no interior do crânio que pode ser inspecionado, tocado, pesado, medido, congelado, cortado em fatias, corado e visto ao microscópio.

O que faz: transforma ambientes vitais internos e externos em informações. É, portanto, uma víscera especializada em “comunicar, receber, estocar informações e emitir instruções baseadas nelas”.[7] Para isso, nasce capacitado a captar estímulos, transformá-los em informações, e memorizar, processar e expressar tais informações sob forma de atos, condutas e comportamentos.

Mente

O que é: um processamento de informações intracerebral constituído por múltiplas atividades dinâmicas e ordenadas que só pode existir dentro de um cérebro vivo e na dependência de estímulos extracerebrais ininterruptos.

O que faz: propicia ao indivíduo estar ciente do que percebe, do que sente, do que pensa e de suas ações. O objetivo geral é o de manter a sobrevida do organismo, e o especial de adequar as necessidades do organismo às dos ambientes vitais interno e externo.

A essência da mente é física

É contrasenso afirmar que a alma (etérea, imaterial) é capaz de intervir sobre a matéria que constitui o corpo – células, fluído, correntes eletroquímicas -, pois só o físico age sobre o físico; o etéreo, não. Na verdade, os eventos mentais não são etéreos e sim físicos, sem deixar de ser mentais (isto é, sem deixar de ser subjetivos). [8]

A delimitação operacional e os objetivos a ser alcançados confirmam que a mente é uma função tão fisiológica e vital na economia do corpo como o são a digestão, a respiração e a circulação sanguínea.

Via régia do acesso à mente

A busca da explicação da mente através da investigação do cérebro vem-se mostrando, a cada dia, mais promissora. Principalmente pela quantidade e qualidade das pesquisas em neurociência.

Com fundamento nos achados neuropatológicos, experimentos de laboratório, diagnóstico por imagens e nas descobertas recentes da neurociência a grande premissa hodierna é a de que existe uma continuidade entre os elementos constituintes do cérebro e as manifestações mais elevadas do processamento mental (BOMBARDA, 1851-1910).

Para alguns autores, a complexidade da estrutura e da funcionalidade cerebral é evidência suficiente de que as atividades dos neurônios cerebrais podem explicar não somente as funções elementares do sistema nervoso (reflexos e impulsos primários), mas também aquelas mais diferenciadas, a exemplo da consciência, da memória, do pensamento e da linguagem.

Eis alguns argumentos:

Especulação matemática de Walter Grey, cientista inglês.

Começa hipotetizando: “Quantos modos de procedimentos seriam possíveis a uma criatura que dispusesse de um cérebro com apenas duas células?” Utilizando o cálculo algébrico obtém o resultado de sete comportamentos diferentes: quatro que seriam identificados pela simples observação e três pela verificação indireta de como o sistema opera. E continua: “se o leitor quiser calcular quantos modos possíveis há no cérebro com os seus 10 milhões de elementos, tome o número dois e o duplique cem quintilhões de vezes o que vem tornar seu próprio cérebro um (monstro) fantástico”.[9]

Complementando Gray: se considerarmos um mínimo de 15 sinapses para cada neurônio interagindo com os outros 9 milhões 999 mil existentes, os cem quintilhões duplicados alcançariam um número inimaginável de sinapses gerando uma complexidade operacional tamanha que explicaria de modo axiomático, sem margem para contestações, como a atividade cerebral é capaz de criar as funções mentais gnósticas e afetivas - consciência/inconsciência, atenção, orientação, memória, inteligência, linguagem, pensamento, afetos, sentimentos, decisão, instrução e afins.

E mais: apenas 10% do sistema neural são utilizados para levar os estímulos sensitivos até o cérebro e conduzir as respostas motoras até os efetores. Os demais 90% são inteiramente dedicados a criar e manter as funções mentais.

Neurônios em grupos

É importante entender que a unidade básica desse processo não é o neurônio individual, mas o grupo neurônico. Existem no cérebro uns 100 milhões de tais grupos, cujas dimensões variam de 50 a 10 mil neurônios cada. Os neurônios só são eficazes em grupos que colaboram para um só objetivo, como discriminar uma cor ou produzir emoções. Em virtude de seu tamanho os grupos neurônicos podem compensar a morte de células individuais. Não obstante, as mudanças em sinapses individuais afetarão todo o grupo neurônico, o qual, por sua vez, pode deflagrar alterações num sistema maior. (RATEY, 2001)

Reconhecimento de objetos

Não é inata a nossa capacidade de reconhecer um objeto com o seu valor, nome que lhe foi dado e significado. Na nova teoria a percepção de uma cadeira ou de uma avó apóia-se na sinalização reentrante – a comunicação entre mapas mentais que nos permite construir conceitos perceptivos complexos – a qual combina as atividades de numerosos mapeamentos de regiões do cérebro dedicadas à percepção sensorial”. [10]

Quer dizer, as diferentes qualidades de pensar ou sentir um objeto – deus, casa, maçã - são construídas a partir de diversas regiões cerebrais que convergem para um lócus único que nos permite a vivência integral deste objeto. A percepção integral do objeto só se efetiva no momento em que as diversas regiões cerebrais entram em ressonância recíproca – todas na mesma oscilação de 40 Hz -, quando então ficamos cientes do objeto e de suas qualidades.

Conexionismo

Para o conexionismo[11], todos os processos cognitivos e afetivos ocorrem no cérebro; a mente nada mais é do que o conjunto desses processos. Os estados mentais emergem dos complexos padrões de atividade cerebral, sem que possam ser reduzidos às propriedades individuais de suas unidades básicas. Significa que diferentemente da víscera cérebro, que sustenta os processos cognitivos e afetivos, a mente é o produto elaborado pelos neurônios em sua contínua análise de dados [12].

Convertendo e reconvertendo energias

Kenneth Craig (1912-1943), cientista inglês, morto precocemente nas ruas de Londres por atropelo banal, foi quem primeiro qualificou o cérebro como um complexo dispositivo de processamento de informações.

E, na mesma época, já se ocupava com a questão que considero a mais importante no estudo do cérebro humano: como uma corrente eletroquímica sensitiva pode se converter, dentro do cérebro, em cognição, afetos, decisões, instruções? E como cognição, afetos, decisões, instruções podem se reconverter em corrente eletroquímica motora, competente para estimular os efetores periféricos a produzir comportamentos humanos vários?

Eis a questão, em termos esquemáticos:


Na primeira fase, o impulso sensitivo se converte em cognições, afetos e muito mais; na segunda, cognições, afetos e quejandos reconvertem-se em impulso motor direcionado.

Conversão e reconversão são fenômenos habituais

No mundo em que vivemos, o processo de conversão-reconversão de energia é corriqueiro e pode ser produzido por organismos vivos e pelas máquinas. Existe até um termo técnico, transdutor, utilizado para designar qualquer dispositivo natural ou artificial capaz de transformar uma forma de energia em outra. Exemplos? O ferro de passar e o chuveiro elétrico são pequenos transdutores que convertem energia elétrica em energia calorífica; já o transdutor lâmpada a converte em energia luminosa. A fissão do átomo libera energia atômica que pode se converter em uma bomba ou em energia elétrica limpa.

Na verdade, é preciso que se diga, nenhuma das fontes energéticas conhecidas no globo terrestre é capaz, por si só, de criar energia – são apenas fontes intermediárias, que acumulam a energia primeira e primária que vem do sol. Significa, a fonte de toda forma de energia terrestre emana originalmente da fusão nuclear que ocorre na famigerada estrela de 5 a. grandeza. Por isso, estão certos os poetas quando dizem que somos filhos das estrelas. Sem o sol, a vida como conhecemos desapareceria da face da terra.

No nível biológico o fígado considerado como a usina bioquímica do corpo, é, na verdade, um excepcional transdutor responsável por, aproximadamente, 220 diferentes conversões. Dentre elas se destacam a conversão de glicose em glicogênio e a emulsificação de gorduras.

O músculo estriado converte glicose em energia muscular.

Porém, para mim, a mais útil e sofisticada transdução biológica é, sem dúvida, a fotossíntese. Ao chegar a terra a energia estelar é captada diretamente pelas plantas verdes (com clorofila), a primeira intermediária entre o sol e os demais elementos do planeta. A captação se dá através da fotossíntese que consiste na combinação da energia solar com o gás carbônico do ar e a água do solo obtendo-se como produto final a síntese da matéria orgânica – forma condensada de energia solar. E é sob esta forma que a energia estelar é distribuída por quase toda a terra.

Diferentemente dos vegetais, o organismo animal age de modo inverso. Reconverte matéria orgânica (prótidas, lípidas, glúcidas) em energia. P. exemplo: uma das fontes de energia dos seres humanos origina-se da energia química obtida da ingestão de cadáveres de animais herbívoros que a obtiveram das plantas.

O carvão e o petróleo também se originam de restos de plantas misturadas com microorganismos, que submetidos às condições especiais de pressão e temperatura, são mineralizados, acumulando imensas reservas de energia solar.

Até mesmo a energia proveniente dos ventos e rios não existiria na ausência do sol. A força do vento origina-se do aquecimento desigual da atmosfera pelos raios solares, que produz o deslocamento do ar; a força dos rios é conseqüência da evaporação cíclica da água produzida pelo calor solar.

O cérebro como transdutor

E o cérebro não poderia ser excluído da condição de excepcional transdutor, capaz de converter a energia eletroquímica em energia mental [13] e reconverter a energia mental em energia eletroquímica. A aceitação dessa hipótese resolve duas lacunas: o da conversão do estímulo que chega ao cérebro em energia mental (informação); e o da reconversão da energia mental (informação) em energia eletroquímica. É como se tivéssemos alcançado a própria psique transpondo as causas intermediárias entre o soma e o mental.” [14]

São evidências extremamente complexas que exigirão múltiplas e cuidadosas pesquisas para negá-las ou comprová-las. Apesar dos achados recentes, persiste a procura deste elo de continuidade até os nossos dias (TURING e VON NEUMANN), agora na forma de um algoritmo lógico cujas capacidades de descrição sejam totais. [15]

Cérebro e organismo

O cérebro é parte do organismo vivo. A vida de um organismo é produto do meio onde ele está inserido. Por isso, é impossível escapar desse meio porque vida e meio constituem um binômio inseparável[16]

O que o organismo faz com o ambiente vital

Para sobreviver o organismo precisa transformar o ambiente em matéria, energia, fluidos, isto é, em si mesmo, organismo, de forma adequada e ininterrupta. Soa familiar o conhecimento de que ingerimos carnes, frutas, gorduras, açúcares, etc. que serão desdobrados em pequenas moléculas de aminoácidos, ácidos graxos e glicose, produtos finais que se transformarão em células, fluidos e energia para manter o corpo vivo e funcionante.

Entretanto, já é menos familiar o fato de que, para sobreviver, o organismo é também competente para transformar o meio vital em informação[17], tão essencial para garantir a sobrevida do corpo quanto o são a matéria e a energia.

Organismos sem cérebro

Existe? Existe, sim. Nem todo organismo tem ou precisa de um cérebro para existir. P. ex: a ascídia, minúscula criatura marinha, do gênero cordado, tem duas partes distintas de vida. Na primeira, com cabeça e cauda, nada como um girino e tem um cérebro primitivo e um cordão neural para movimentar-se. Quando amadurece fixa-se permanentemente a uma rocha num estado de vida vegetativa. Então, não precisa mais do cérebro e do cordão neural para controlar movimentos e, por isso, eles (cérebro e cordão) são gradualmente absorvidos e digeridos porque deixaram de ser necessários.

O que podemos aprender com a ascídia? Que um ser no estado de vida vegetativa, não necessita de um cérebro; mas se, no mínimo, precisa locomover-se (e para isso tem de processar informações) terá, obrigatoriamente, de possuir um cérebro secundado por um cordão nervoso organizado.

Mente como processamento de informações

Para a Medicina, a mente tem raízes no biológico e expressão no social. Entre o biológico e o social, emerge o subjetivo (ou mental).

O vocábulo mente não se refere a um “objeto”, mas sim a uma forma de processamento de informações. Por isso, a informação é a matéria prima das funções mentais porque sem informações não pode haver função mental. No estudo das funções mentais a informação é tida como o estímulo que penetrou no cérebro. Sendo assim, a princípio, todo estímulo é extracerebral e toda informação é obrigatoriamente intracerebral.

Em termos simplistas, a mente humana é a competência para estar ciente, perceber, sentir, pensar e agir; ou o processamento mental de informações sustentado por um sistema neurofisiológico formado pelo cérebro, resto do corpo e pelo meio-ambiente vital, interno e externo, no qual o ser humano se encontra inserido.

A terminologia das funções mentais

Diferentemente do que se pensa, termos como consciência, memória afetividade, juízo de realidade inteligência, linguagem não são, rigorosamente, funções cerebrais, e sim meras descrições de condutas e comportamentos. Sobre o assunto, escreve RATEY (2O01):

’”... são categorias semânticas geradas por funções cerebrais para as quais não possuímos nomes e sobre as quais dispomos, até agora, de medíocre entendimento. Felizmente, a grande maioria dos cientistas em atividade neste campo tem plena consciência de como é urgente rever os nossos modelos de como o cérebro funciona e encontrar uma nova linguagem correspondente para expressar essas idéias”. [18]

Não significa que tais termos devam ser descartados, ao menos por enquanto. Inclusive, eles são utilizados neste texto. Entretanto, não podemos perder de vista a necessidade urgente de se buscar novas categorias semânticas mais próximas daquilo que o cérebro realmente faz.

ESTUDANDO AS FUNÇÕES MENTAIS

Para facilitar o estudo das funções mentais partiremos da premissa:

"A rigor não existem funções mentais isoladas e alterações psicopatológicas compartimentalizadas dessa ou daquela função. É sempre a pessoa na sua totalidade que adoece”. (BOTEGA, 2002).

Justificando a premissa - Todos e Partes

Em tese, um todo é algo completo em si mesmo dispensando qualquer suplementação adicional, enquanto uma parte é algo fragmentar e inacabado[19].

A rigor, não existem partes, no sentido absoluto, em qualquer lugar e circunstância. Tampouco, todos absolutos. O que existe é uma totalidade interligada de complexidade crescente, vista de baixo para cima, e decrescente quando percebida de cima para baixo.

Todo (indivíduo)

Parte de um novo Todo (família)

O homem visto como um indivíduo é um todo em si mesmo – contido no espaço limitado por sua pele e constituído por átomos, moléculas, células e órgãos que são as suas partes; percebido como membro de uma família, torna-se parte de um novo todo que lhe supera como indivíduo.

Generalizando, qualquer fenômeno pode ser considerado como um todo quando o explicamos a partir das partes que lhes compõe; mas se o abordarmos a partir de um todo que lhe supera, ele se torna parte deste todo.

Funções mentais vistas como partes de um todo

Isoladamente, eis as descrições básicas de cada função mental:

FUNÇÃO O QUE FAZ

Sensação

Capta o estímulo (um som, uma imagem).

Percepção

Reconhece o estímulo captado (bater de sinos, um pássaro, um avião...).

Memória

Fixa a experiência. Identifica e evoca o engrama - resíduo da experiência que ficou gravada nos neurônios.

Inteligência

Competência para solucionar problemas novos de forma criativa.

Afeto

Toda vivência que oscila entre os pólos agradável/desagradável. É onipresente em qualquer experiência humana.

Juízo de realidade

Juízo critico sobre o bem e o mal; o correto e o incorreto; o pertinente e o não pertinente. Julga, seleciona, decide obedecendo às diretrizes da realidade.

Pensamento

Linguagem interior, subjetiva.

Linguagem

Pensamento exteriorizado.

Consciência [20]

É basicamente o estar ciente. De si e do mundo. Comporta três sub-tipos:

Atenção: o estar ciente focado.

Autoorientação: o estar ciente de si mesmo.

Alorientação: o estar ciente em relação ao tempo e ao espaço.

Enriquecendo o esquema

Lógico, o esquema acima pode ser enriquecido com dados fornecidos pela clínica, pela patologia, pelos experimentos de laboratório e pelas teorias.

Ah! As teorias! Muitas estão perdidas em linhas de raciocínio que não se apóiam nos dados do mundo real, o que as levam a conclusões desvairadas. Os teóricos que idolatram as teorias costumam preencher as lacunas ainda não resolvidas pela Ciência com construtos oniscientes e onipotentes – que, acreditam, sabem e podem tudo: o teólogo, as preenche com deus, o filósofo, com a filosofia preferencial e o psicanalista, com o famigerado inconsciente.

Mas, ao fim, sem acréscimos devidos e indevidos, os conceitos essenciais das funções mentais, como as conhecemos, encontram-se no quadro acima.

As funções mentais não funcionam isoladamente

Na realidade, as funções mentais não podem ser fracionadas em partes independentes porque elas não funcionam isoladamente no organismo; estão causalmente encadeadas, de tal forma, que uma não pode existir sem a existência das outras.

Pretendo abordá-las como um todo amplo e integrado, a partir do estudo das funções mentais de um caso clínico. Porém, antes de efetuar tal abordagem, preciso explanar brevemente sobre os fundamentos dos encadeamentos causais.

Encadeamentos causais

Atentemos para as duas principais formas de encadeamento causal:

Linear – Genericamente, significa que todo fenômeno-causa sempre antecede o fenômeno-efeito (o filho não pode ser o pai do pai). Na relação causal linear as atividades se processam obedecendo a seqüência 1, 2, 3, etc., na qual 1 é causa de 2, que é causa de 3 que pode ser o fim do processo. P. ex: o fogo é a atividade que causa o efeito fumaça numa relação linear e unidirecional (mão única), isto é, só pode haver fumaça se antes houver fogo.

Circular ou multicausal - Já na causalidade circular ou multicausal - dominante nos processos biológicos - desdobram-se as mesmas atividades 1, 2, 3, etc., com a diferença de que a atividade terminal (no caso, 3 – a chamada saída do sistema (output) - é capaz de retornar para se ligar a atividade 1 – dita, entrada do sistema (input) - estabilizando ou modificando o processo. Existem dois tipos de causalidade circular: estabilizadora e transformadora.

Exemplo de circular estabilizadora: o termostato do aparelho de ar condicionado mantém estável a temperatura pré-fixada ligando e desligando o compressor. Se a temperatura sobe liga-o, se desce desliga-o. Fato análogo ocorre com o “termostato” cerebral, que para manter a temperatura de 370do corpo precisa realimentar-se em sintonia com as variações da temperatura ambiente.

Exemplo de circular transformadora: “Uma pessoa doente, recebe menos dinheiro; recebendo menos dinheiro fica em dificuldades para comprar alimentos e obter cuidados médicos, por isto, torna-se mais doente e, portanto, mais incapaz de ganhar dinheiro. O indivíduo vai mudando de doente para mais doente.” [21]

A globalidade é outra qualidade do processo circular. As atividades das partes são coesas e complementares, de tal forma, que a mudança numa delas afetará o sistema como um todo.

As funções mentais são regidas pelas leis da causalidade circular e da globalidade? E o que iremos verificar, a seguir, através de um estudo de caso clínico.

ESTUDO DE CASO CLÍNICO

IN, sexo masculino, 58 anos de idade incompletos (aniversário em 24 de março), casado, instrução superior (Ciências Contábeis), natural de Salvador- BA, residente em Salvador.

Informante: a esposa.

QP - Transtornos de conduta e deterioração cognitiva há +- 8 anos

HD – Informa, no ano 2000, aos 50 anos, “tornou-se agressivo (verbalmente) e pornográfico em casa, comigo e com os filhos, com os vizinhos e na rua com os desconhecidos. Parecia ter perdido a consideração e o respeito pelas pessoas. Comecei a observar condutas estranhas como, por exemplo, a de repetir interminavelmente palavras e frases, sem razão aparente: (‘Cerveja com guaraná é porreta! ’); a outra era repetir uma mesma pergunta várias vezes. Costumava soltar flatos, sorrindo impudicamente, em qualquer situação e lugar. Cheguei a me queixar com os irmãos e os amigos sobre sua mudança de personalidade, para mim, bizarra e inexplicável. No grupo de amigos tornou-se querelante e agressivo (mais só verbalmente) a ponto de dois deles (que eram médicos) me procurarem para dizer que estavam preocupados com o seu comportamento. ‘Briga com todo mundo, por causa de ninharias’. Uma vez armou o maior barraco, porque descobriu que um bar estava cobrando 5 centavos a mais por um refrigerante”.

No evoluir de seu adoecimento, trocou de grupo. “Passou a conviver com pessoas que não eram de seu nível, tipo ‘arraia miúda’ sic, ‘gentinha’ sic, para jogar dominó e beber. Em casa, mostrou-se ainda mais agressivo (sempre verbalmente, nunca fisicamente) comigo e com os filhos. Em suas manifestações de ira costumava xingar muito (proferir palavras de baixo calão). Naquela época, nunca passou por minha cabeça que estava ficando doente. Atribuí o seu comportamento estranho às brigas constantes em casa motivadas por minhas reclamações por estar andando com pessoas que não eram de seu nível, por sua negligência como pai e por suspeitar de que estaria pulando a cerca (praticando adultério). No trabalho, as coisas também não iam bem. Lotado no Tribunal de Contas do Estado, foi solicitado para ficar à disposição de outro órgão afim de desempenhar a função de Assessor Direto do Presidente, com uma gratificação significativa no salário. Por algum tempo, exercitou com correção a sua nova função; de 2000 em diante, começou a cometer erros graves nas tarefas. O presidente do órgão pensou em devolvê-lo ao TCE. A oportunidade surgiu quando soube que ele havia falado mal dele (o presidente) e de sua administração a seu próprio assessor jurídico. Foi, de imediato, devolvido ao TCE, quando faltava um ano para completar os dez que lhe iria garantir a incorporação de polpuda gratificação ao salário”.

“Logo, comecei a notar que estava perdendo progressivamente a memória. Não conseguia fixar os acontecimentos do presente, embora ainda recordasse de lembranças passadas. Quando falávamos de assuntos referentes aos anos anteriores, entabulava uma longa conversa. O seu vocabulário ficou muito pobre. Muitas vezes, não conseguia encontrar a palavra adequada para completar as frases. Tentava ler o jornal, mas se queixava de que não estava compreendendo nada. Quando sentia dificuldades para raciocinar, apontava para a cabeça e dizia: ‘É alguma coisa aqui dentro... ’

O seu comportamento ficou mais estranho, com crises de choro e dando a impressão de que estava deprimido. No início, conseguia seguir caminhos familiares, mas se perdia quando tentava transitar por lugares desconhecidos. Ficava cada vez mais isolado, sem querer participar das reuniões sociais. Cansava-se, aborrecia-se e ficava ansioso com muita facilidade. Parecia estar perdendo também a noção das coisas. Tornou-se bastante inconveniente. Não sabia mais lidar com pessoas e regras sociais. Por exemplo: costumava chegar à agência bancária que servia ao TCE antes do horário da abertura. Lá, todos os funcionários já o conheciam. Furava a fila xingando e empurrando as pessoas que lhe tentavam deter. Faltando um minuto para abrir, começava a dar pontapés na porta e quando o vigilante a abria empurrava-o e, então, dirigia-se ao caixa. Começou a perder o sentido do certo e do errado. Viajava num ônibus e, ao invés de puxar o cordão da campainha gritava lá do fundo: ‘Pára aí, porra, pára!’ Quase foi agredido por um passageiro ofendido. Salvou-se de uma surra, porque dentro do ônibus havia uma pessoa que o conhecia e estava informada sobre a sua doença”.

“No trabalho, já não sabia mais trabalhar. Tinha dificuldades de entender o que precisava fazer”. Em 2002, sofreu um trauma crânio encefálico com perda da consciência por quase uma hora. A pancada na cabeça lhe custou 18 pontos[22]. Depois disso piorou ainda mais. Nesta altura, não era somente a memória de fixação que estava comprometida. Também, a de evocação.

“Por algum tempo, manteve alguns hábitos arraigados. De 2000 a 2002, levantava-se cedo, trocava de roupa, tomava café, entrava no carro e ia dirigindo para o trabalho. Tive que pagar múltiplas multas, porque ele dirigia em alta velocidade invadindo sinais e desrespeitando os limites. Em um mês, paguei cerca de 20 multas.

Para espanto dos subordinados, ao chegar ao setor do qual era chefe, tirava o paletó, ia servir cafezinho a todos e, a seguir, varrer o piso. Em 2002, vendi o seu carro e ele passou a ir para o trabalho levado por um filho. Acordava cedo, tomava banho, café e apressava o filho, olhando para o relógio e dizendo: ‘Já está passando da hora, e não posso chegar atrasado’. Um dia, nos fins de 2007, acordou tarde e recusou-se ir para o TCE. Daí em diante, o trabalho deixou de existir para ele”.

Até 2005, era cioso de seu dinheiro e não permitia que ninguém o tocasse. Isso trouxe para a família situações embaraçosas. P. exemplo: quando recebia o recibo do condomínio dirigia-se para o síndico, e com linguagem chula, o chamava de ladrão e rasgava o recibo em sua cara. “Foi preciso que eu combinasse com o síndico o seguinte: ele daria um recibo sem valor para IN rasgar, e o verdadeiro para mim, que cuidava de pagá-lo. Com o agravamento de sua incapacidade para gerenciar o dinheiro, tive de interditá-lo, e hoje quem controla o orçamento da casa sou eu”. Para surpresa dos familiares, IN aceitou a interdição sem discussões, contrariando seus modos usuais, arrogante e autoritário. Praticamente, tornou-se indiferente às questões sobre dinheiro.

Daí em diante, a situação foi se complicando cada vez mais: ao falar, nos momentos de conversa mais organizada, fazia uso de circunlóquio (rodeio de palavras) e digressão (desvio de rumo do assunto). Freqüentemente, utilizava metáforas para substituir o vocábulo esquecido - (vaso de leite, em lugar de xícara). Era evidente que não entendia algumas perguntas. “Mas o pior foi quando começou a perder a autonomia, ficando incapacitado para executar as atividades do dia-a-dia. Não se veste sozinho, não sabe mais usar o barbeador, quem faz sua barba sou eu ou seus filhos; tem dificuldade de utilizar o talher para comer, não toma mais banho sozinho. Permanece em silêncio a maior parte do tempo, e quando fala o faz de forma telegráfica e incompreensível. São frases curtas, poucas palavras, sempre adornadas, repetidamente, por um mesmo palavrão – ‘porra’”. Desde há algum tempo, não mais reconhece os seus familiares. Chama a mulher, os filhos e a nora por um mesmo nome (o nome da esposa). Ainda fuma, mas deixou de beber e não tem mais vida sexual ativa. Curioso é que, apesar da deterioração acentuada de suas funções mentais, até hoje costuma jogar paciência no computador por horas e horas

Em janeiro de 2008, foi levado ao aniversário de um membro da família; lá entrou em pânico, parecia perplexo, sem entender nada e sem reconhecer ninguém. Criou-se uma situação inusitada: de um lado os familiares (com a presença de cinco dos dez irmãos) constrangidos com a visão do irmão doente que há muito não visitavam; de outro, o irmão perturbado, confuso, alheado, apavorado por estar vivenciando um ambiente estranho, e escutando pessoas desconhecidas chamá-lo pelo nome. “Fomos obrigados a contê-lo (eu e meu filho mais velho) – ele queria ir embora - e tivemos de deixar a festa e trazê-lo para casa”.

A locomoção permanece conservada e graças a isto costuma fugir de casa, quando não está sendo vigiado. Uma vez, desapareceu e só foi encontrado faminto e desorientado 24 horas depois, num bairro distante de sua residência. O estupor geral está sendo progressivo. “Noto, com tristeza, que apesar do tratamento com especialistas, ele está piorando a cada dia” (chora).

H. Familiar- Pais falecidos, pai de causa ignorada, aos 72 anos; mãe de enfarte aos 89 anos; 21 irmãos, 11 falecidos em idades precoces de causas múltiplas; sobreviveram três mulheres e sete homens. Um irmão alcoolista inveterado; um aposentado por doença mental (ignora qual); uma irmã histriônica e hipocondríaca. Não há registro de história de demência na família. Um irmão gêmeo, univitelino.

A. Médicos – Nascido de parto eutócico, gemelar, a termo. Andou e falou em tempos normais. Viroses da infância. Aos dez anos de idade, ao cair de uma escada bateu com a cabeça num piso de pedra, sofrendo trauma crânio encefálico com perda prolongada da consciência – quase uma hora. Recuperou-se sem seqüelas aparentes. Um segundo TCE ocorreu aos 51 anos de idade, outra vez com perda prolongada de consciência. Era bebedor contumaz; continua fumante inveterado.

P. Anterior – “Formou-se em Ciências Contábeis. Tive três filhos com ele: dois meninos e uma menina – que faleceu aos dois anos de “morte súbita”. Ficou desconsolado, pois se tratava de sua primeira (e única) filha. Até os 39 anos era uma pessoa ‘bacana’ sic, carinhosa, delicada, amiga. A partir dos 41 começou a mudar. Parou de se importar com os filhos, não se preocupava com a educação deles e com as coisas mais corriqueiras de um marido. A única coisa que interessava era o futebol e a bebedeira dos fins de semana com os amigos. Por causa disso, tivemos várias brigas, o que gerou um grande desgaste em nosso casamento. Por causa de sua atitude de pai ausente, os filhos cresceram mais ligados a mim do que a ele. Vivia no mundo da lua. sic Só queria curtir a vida com os amigos – curtir no caso incluía o futebol dos fins de semana e a bebedeira cada vez maior”.

E. Neurológico Geral – Sem alterações. Marcha normal; uso das mãos e das extremidades sem alterações; reflexos patelares reativos; pupilas reagentes ao reflexo de acomodação/convergência. Nervos cranianos sem alterações.

E. Mental ­– Transtornos de conduta, funções cognitivas e afetivas deterioradas. Memórias de fixação (anterógrada) e de evocação (retrógada) gravemente prejudicadas. Percepção alterada. Perturbação do estar ciente de si e do mundo. Atenção dispersa e flutuante. Auto e aloorientação precárias. Dificuldades de raciocinar; comprometimento do juízo de realidade, - está perdendo rapidamente o contato com o real. Instabilidade afetiva. Agitado e ansioso, emoções inapropriadas e desconexas; rindo ou chorando sem razão aparente. Pensamento, linguagem e comunicação altamente prejudicados, o que dificulta o estabelecimento do contato interpessoal.

Exames: raios-X de crânio, tomografia computadorizada e ressonância magnética revelaram atrofia progressiva do cérebro.

Tarefas para fixar o texto

1) Ler cuidadosamente a História Clínica para:

I. Identificar as funções mentais alteradas comparando-as com os parâmetros de “normalidade” descritos na tabela Funções mentais vistas como partes de um todo. Utilizar como auxílio os mnemônicos: COSAMI (consciência, orientação, sensopercepção, atenção, memória, inteligência); e APeJuCOL (afeto, pensamento, juízo de realidade, comportamento, linguagem).

II. Sublinhar, na história clínica, as evidências dessas alterações: frases, descrições, citações e depoimentos.

III. Informar, com dados do relato clínico, como a alteração de uma função mental afeta o funcionamento das outras por conta da interdependência e da globalização.

IV. Ler o texto e preparar a apresentação oral do conteúdo para a última aula. Na feitura da apresentação, recomendo: prefira o específico, ao genérico; o definido, ao vago; o concreto, ao abstrato; e adote as três virtudes do estilo: “clareza, clareza, clareza”.[23]

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Dúvidas

Se for necessário, somente para esclarecer dúvidas leia os tópicos abaixo sobre a doença de Alzheimer (Alci-Ráimer):

1. O primeiro paciente do Dr. Alois Alzheimer era do sexo feminino e tinha apenas 52 anos. Hoje, acredita-se, existem duas formas da doença: uma, com forte carga genética que pode começar antes dos sessenta anos, e outra, mais tardia, gerada por gêneses múltiplas – vascular, traumática, inflamatória.

2. Embora a atrofia cerebral ainda esteja fortemente correlacionada com Alzheimer, a conversão do tecido cerebral em depósitos de gordura degenerada, não é mais considerada um evento etiológico e sim uma conseqüência da doença de base.

3. Nos estágios iniciais, tentam encobrir as falhas com desculpas ou com histórias fantasiosas. Os deslocamentos costumam ser um bom parâmetro de acompanhamento da doença; inicialmente os pacientes conseguem seguir caminhos familiares, mas perdem-se em caminhos para lugares desconhecidos. Outra manifestação é a repetição da mesma pergunta várias vezes. É comum o surgimento da depressão, que pode confundir o diagnóstico. A depressão pode e deve ser tratada, pois a recuperação do estado de ânimo leva a um melhor desempenho da memória. Já na perda demencial, a memória não se recupera.

4. Se a doença se aprofunda o paciente passa a se perder mesmo nos locais familiares. Não é raro ver pacientes que se perdem dentro da própria casa, não conseguindo chegar a um determinado cômodo. Essas pessoas não conseguem tomar as melhores decisões, e irritam-se com os familiares que tentam ajudar em tarefas simples como o preenchimento de formulários ou na conferência do balanço bancário. A operação de máquinas ou veículos se torna perigosa, pois os reflexos estão bastante comprometidos. Nessa fase o nome dos amigos começa a ser esquecido, bem como as atividades sociais: por conta disso o paciente acaba se isolando.

5. Além da memória, a demência leva a uma deterioração da capacidade de raciocínio e julgamento. Também ao descontrole dos impulsos e da conduta. Aos poucos, vai se perdendo a capacidade de ler e de executar tarefas habituais. No fim a pessoa não consegue nem mesmo realizar a higiene pessoal, atividades motoras básicas como desabotoar uma camisa ou andar sozinho. O sono pode ficar alterado e, à noite, o doente perambula pela casa sem objetivo determinado. Desorientação quanto ao tempo e espaço podem surgir. Com isso o paciente confunde-se quanto à época em que está. Não consegue distinguir o real do imaginário e passa a vivenciar idéias de perseguição ou ter alucinações visuais.

6. Agitado, ansioso, as emoções podem ficar perturbadas com manifestações inapropriadas e desconexas. P. exemplo: chorando ou rindo sem motivação aparente. Também pode suspeitar de que estão lhe roubando ou escondendo as coisas. Aos poucos, o doente perde completamente o contato com a realidade.

7. Felizmente, nem todos portadores de Alzheimer atingem o estágio mais avançado da doença. Muitos casos estacionam com a perda parcial das funções.


[1] Professor adjunto de Psiquiatria e Semiologia Mental da Escola Bahiana de Medicina e Saúde Pública.

[2] NOGARE P. Dalle. Humanismo e anti-humanismo em conflitos. Ed. Herder, São Paulo,1973.

[3] WALTER W.Grey, A mecânica do cérebro, Ed. Zahar, Rio de Janeiro, 1962.

[4] "São esses atributos (...) da consciência que permitem ao sujeito a todo instante poder situar-se no mundo, pensar sobre esse mundo, estabelecer juízos sobre ele, deliberar ações. Assim, um indivíduo que tenha íntegra sua capacidade de consciência, é também capaz de estabelecer relações com a realidade que o cerca, ou seja, tem também uma consciência da realidade”. (DAMÁSIO, 2001)

[5] A princípio, as vivências subjetivas, vividas pelo indivíduo, estão ocultas para o observador, exceto se o observador for empático e perspicaz para estabelecer uma interação bem-sucedida, e suficientemente competente para fazer a leitura das entrelinhas do que está sendo comunicado. Pode inclusive contar com a ajuda do próprio sujeito que, em situações de crise, precisa falar sobre seus estados internos, mas somente a um interlocutor que lhe inspire segurança e lhe garanta sigilo, privacidade, confiabilidade.

[6] O cérebro pode ser chamado de tudo, menos de máquina.

[7] ROSEN, Steve, O cérebro consciente, Ed. Alfa-Omega, São Paulo, SP, 1984.

[8] Na filosofia da mente o fisicalismo aparece como uma posição incontornável. Fisicalismo é, basicamente, a tese segundo a qual não pode haver propriedades mentais na ausência de propriedades físicas. In DENNETT, Daniel, Brainchildren, Ed. Penguin, London 1998.

[9] WALTER W.Grey, A mecânica do cérebro, Ed. Zahar, Rio de Janeiro, 1962.

[10] RATEY, J. John, O cérebro um guia para o usuário, Ed. Objetiva, 2001, Rio de Janeiro.

[11] O conexionismo é um paradigma cognitivo baseado nos achados da neurociência e não em hipóteses explicativas. O simbolismo precisa hipotetizar, antes, a existência de uma mente para explicar os processos cognitivos.

[12] Steven Pinker, pesquisador do MIT.

[13] A nominação das formas de energia repete a o nome da fonte: energia atômica, de átomo, muscular, de músculos, luminosa, de luz, etc. Por que não energia mental, de mente?

[14] QUEIROZ, Filho, José Pinto de, Fundamentos de psiquiatria para a clínica diária, ed.Universitária Americana,Salvador, BA, 1991.

[15] CURADO, J. M., «Bombarda e a Consciência, II», Jornal de Ciências Cognitivas, Fevereiro de 2006. http://jcienciascognitivas.home.sapo.pt

[16] Não é à toa que o astronauta é obrigado a deixar a terra carregando consigo uma parafernália artificial que reproduz o ambiente terrestre, no essencial, para a sobrevida de seu organismo em ambientes inóspitos.

[17] Informação no sentido mais abrangente possível incluindo toda experiência, consciente e inconsciente que seja significativa para a sobrevivência do organismo.

[18] RATEY, J. John, O cérebro, um guia para o usuário, Ed. Objetiva, 2001, Rio de Janeiro.

[19] “A verdade – ensina WATTS - ao olhar o mundo pedaço por pedaço nos convencemos de que ele é constituído de coisas separadas e assim suscitam-nos o problema de como estas coisas estão ligadas e de como produzem causas e efeitos, uma nas outras” in WATTS, Alan W. Psicoterapia oriental e ocidental, Ed. Record, Rio de Janeiro, s/d.

[20] Para Damásio (2001), a consciência pode ser separada em dois tipos: a consciência central, “que fornece ao organismo um sentido do self concernente a um momento – agora – e a um lugar – aqui.”, e a consciência ampliada “... que fornece ao organismo um complexo sentido do self – uma identidade e uma pessoa, você ou eu – e situa essa pessoa em um ponto do tempo histórico individual, ricamente ciente do passado vivido e do futuro antevisto...”. Podemos entender por lucidez de consciência o que ele chama de consciência central e por consciência do eu e da realidade, ao que ele chama de consciência ampliada.

[21] DE BONO, E. O., O pensamento criativo, Ed. Vozes, Petrópolis, RJ, s/d.

[22] Embriagado, dançava numa roda de samba e se engraçou por uma mulher. Ao tentar enlaçá-la, foi surpreendido pelo companheiro da sambista que lhe desferiu um potente soco. Ao cair bateu com a cabeça no meio-fio e perdeu a consciência. O agressor evadiu-se, e ficou foragido durante muito tempo.

[23] Montaigne

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