quarta-feira, 27 de julho de 2011

DIAGNÓSTICO MÉDICO MULTIAXIAL

DIAGNÓSTICO MULTIAXIAL - Noções fundamentais

Autor: José Pinto de Queiroz Filho[1]

Sinonímia: avaliação diagnóstica multieixos, quadridimensionais, das interfaces humanas

Introdução

O diagnóstico médico consiste no entendimento amplo do que se passa no corpo (soma), na mente (cognição, afetividade, subjetividade consciente e inconsciente), e na qualidade da interação (social e pessoal) do indivíduo que se apresenta aos cuidados médicos. Para ter significado, este entendimento deve ser considerado no contexto vital (histórico e cultural) específico de cada paciente. (ENTRALGO, 2000)

A abordagem multiaxial em Medicina

Antes de ingressar na Escola, movido por curiosidade antecipada, o futuro aluno de Medicina tem a possibilidade de adquirir preciosas informações sobre a abordagem clínica, em geral, através da mídia – rádio, TV, cinema, jornal, revistas leigas, e de contatos eventuais com profissional; some-se, possíveis leituras prévias de textos científicos. Dessa forma, alguns fundamentos da abordagem clínica são aprendidos precocemente, principalmente os que estão mais próximos do senso comum.

Com a posse desses dados, acredito, fica mais fácil entender que o aparato somático (corpo) – microscópico, anatômico, fisiológico, bioquímico, biofísico, biomental, biosocial - é componente vital do que somos feitos, mas não serve para explicar quem somos - sujeito, personalidade, hábitos, caráter, atitude, afetos.

Quero dizer, compreender o ser humano extrapola os limites do físico. Só podemos entender e explicar uma pessoa incluindo no todo da abordagem clínica a investigação de seus aspectos quadridimensionais bio-somáticos, bio-mentais, bio-sociais e bio-pessoais compreendidos dentro de seus contextos vitais interno e externo.

Exercitando a atividade multiaxial

Mas como podemos viabilizar, na prática, a abordagem multiaxial? Acredito, utilizando as Diretrizes Internacionais para Avaliação Diagnóstica Multiaxial. O que são as Diretrizes Internacionais para Avaliação Diagnóstica Multiaxial ?

A D.I.A.D.M. foi oficialmente apresentada em 1980 pela Associação Psiquiátrica Americana na terceira edição de seu Manual de Diagnóstico e Estatística de Distúrbios Mentais - DSM-III. Na revisão do Manual (DSM - III-R), a Avaliação Diagnóstica Multiaxial reaparece melhor estruturada em seus objetivos e diferentes aplicações.

Criada inicialmente para ser utilizada na Clínica Psiquiátrica, graças às suas praticidade e aplicabilidade foi recebida pelos médicos, em geral, como verdadeira revolução na diagnose médica, sendo, hoje, aplicável na Medicina em geral.

Em termos práticos, a avaliação multiaxial requer que todo paciente seja avaliado em quatro (modificado por mim) diferentes eixos [2], cada um dos quais se refere a classes diferentes de informação.

EIXO I – Compreende os transtornos mentais. Inclui psicoses, depressão, conflitos interpessoais, pessoais, dependência de drogas, transtornos de personalidade e retardo mental.

EIXO II – Inclui as síndromes somáticas.

EIXO III – Avalia os transtornos causados por estressores pessoais, culturais, sociais.

EIXO IV – Investiga a interferência do transtorno na vida do paciente; a qualidade do suporte familiar; inclui a opinião do próprio paciente sobre a sua qualidade de vida.

Os dois primeiros eixos constituem a avaliação formal do diagnóstico. Os eixos III e IV fornecem informações que complementam o diagnóstico formal, e são de grande utilidade para o planejamento do tratamento e a previsão dos resultados. Desse modo, cada paciente é avaliado em cada um dos eixos.

Padrão ouro da avaliação multiaxial

O exemplo, a seguir, pode servir como padrão-ouro para universalização da aplicação clínica da lógica multiaxial. Um paciente foi atendido e avaliado nos vários eixos (ou interfaces):

Eixo I – Síndrome da dependência de álcool. Personalidade dependente

Eixo II - Cirrose hepática alcoólica.

Eixo III - Estressores pessoais, sociais e culturais: desemprego crônico, dependência financeira, abandono familiar.

Eixo IV – A dependência alcoólica o fez perder o emprego, a auto-estima, o respeito de amigos e o afeto dos familiares. Suporte familiar insuficiente. Pontuação do próprio paciente sobre sua qualidade de vida – 5 (numa escala de 0 a 10). Por consequência, obteve-se os seguintes diagnósticos:

Diagnóstico mental: Personalidade dependente e a resultante síndrome da dependência do álcool.

Diagnóstico somático: cirrose hepática.

Diagnóstico interpessoal: presença de sérios estressores sociais.

Diagnóstico pessoal: individuo dependente, passivo, pouco confiável para aderir ao tratamento.

Impressos para registro multiaxial

Facilita-se o registro das informações multiaxiais utilizando um prontuário clínico, em formato próprio, para assegurar que todos os eixos da abordagem sejam considerados e sistematicamente avaliados.

Premissas da avaliação multiaxial

Primeira premissa: é fundamental avaliar o paciente como um todo e não somente como um portador de doença, cobrindo todas as áreas-chaves de informações somáticas, mentais, sociais, pessoais. Isto requer do médico habilidades em comunicação, competência científica, preocupações humanísticas e postura ética.

Segunda premissa: diz respeito à ênfase, a mobilização e o aproveitamento dos recursos saudáveis e dos aspectos positivos do paciente.

Terceira premissa: envolve a importância das interações entre médico-paciente-família capaz de propiciar um entendimento co-participado da condição clínica do paciente e um acordo que comprometa a família com o plano de tratamento e com a sua monitorização (acompanhar, vigiar, verificar, cobrar).



[1] Professor Adjunto da EBMSP, cursos de Psiquiatria e Semiologia Mental.

[2] Associação Mundial de Psiquiatria, Diretrizes Internacionais para Avaliação Diagnóstica. Tradução no Brasil, Unicamp, SP, maio 2004.

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